Um projeto pode levar 200 anos para ser concretizado. Difícil é esperar para ver. O cientista alemão Alexander Von Humboldt, por exemplo, não conseguiu realizar a sua maior empreitada. Em 1799, montou uma expedição e saiu em viagem pelo mar do Caribe. O sonho era subir o rio Orinoco na Venezuela e atravessar a Bacia Amazônica até alcançar o Oceano Atlântico, na costa do Pará. Só conseguiu cumprir a primeira parte. Ao chegar à fronteira brasileira, no canal de Cassiquiare, Humboldt foi impedido de entrar no território tupiniquim pela burocracia lusitana. O Brasil não passava de uma colônia de Portugal e o conceituado cientista não parecia ser tão conceituado assim. Dois séculos depois, 39 pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e de outras nove universidades do Brasil e do Exterior encamparam o projeto do alemão.

A equipe partiu do Caribe em 1º de setembro e conseguiu alcançar o Atlântico no dia 4 de novembro, dessa vez com o apoio dos governos do Brasil e da Venezuela. Foram 9.200 quilômetros navegados em 18 rios e canais da região. Os pesquisadores repetiram o percurso de Humboldt e seguiram em frente. Desceram o rio Negro até Manaus e, depois de percorrer o Tapajós e o rio Trombetas, chegaram à foz do Amazonas, contornando a Ilha de Marajó até Belém do Pará.

FLAGRANTES As ruínas de Airão Velho são rodeadas por bichos como a aranha e flores como a passiflora

Diversidade – Durante os 64 dias da expedição – que ainda incluiu uma viagem por terra de Macapá até o rio Oiapoque, na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa –, os cientistas realizaram estudos em 18 áreas de pesquisa tão diversas quanto microbiologia, ornitologia e história. “A expedição permitiu que fizéssemos um mapeamento completo da Amazônia. A região foi contemplada em todas as suas peculiaridades e as consequências serão muito positivas”, afirma um dos coordenadores da expedição, o professor Victor Leonardi, da UnB. Leonardi organizou os trabalhos de pesquisa nas áreas de ciências humanas e se surpreendeu com os achados dos pesquisadores Francisco Jorge dos Santos e Carlos Tijolo, do Museu Amazônico de Manaus. Eles descobriram um sítio arqueológico nas margens do Paraná do Ramos, braço do rio Amazonas no município de Barreirinha, 600 quilômetros a leste de Manaus. Uma civilização pré-colombiana (anterior à chegada de Colombo) parece ter ocupado dois quilômetros da margem do canal durante pelo menos dois mil anos. Agora, os fragmentos de cerâmica encontrados serão submetidos a testes com Carbono 14 para determinar a sua idade.


DEDICAÇÃO A vida dos madeireiros difere da dos cientistas. Acima, à direita, Victor Leonardi, coordenador da expedição

Outras descobertas significativas foram feitas pela equipe do microbiologista César Martins de Sá, coordenador dos estudos da área de ciências naturais. Foram encontradas duas espécies de microorganismos desconhecidas até hoje. Uma delas tem luminescência natural – brilha no escuro – e poderá ser utilizada amplamente na medicina. “Hoje, uma proteína luminescente extraída de algas marinhas, que brilha quando submetida a raios ultravioleta, é usada para fazer o acompanhamento de tumores cancerosos. Se o microorganismo descoberto puder ser produzido em escala industrial, a Amazônia estará colocando no mercado um produto capaz de render milhões de dólares ao ano para o País”, prevê César de Sá. O outro microorganismo encontrado é um biodigestor natural, ou seja, auxilia na decomposição da biomassa gerada pela floresta. Poderá ser a saída para o tratamento natural de rejeitos industriais, agrícolas e domésticos. “A Amazônia é um potencial inesgotável de riquezas naturais ainda desconhecidas”, garante.



EXUBERÂNCIA O fotógrafo Juan Pratignestós conseguiu clicar um peixe-boi com lágrimas nos olhos. Acima, um dos muitos macacos do lugar. Ao lado, um nativo pesca peixes ornamentais no rio Negro, na região de Barcelos

Passado – Todo o aparato científico da Expedição Humboldt – Amazônia 2000 não foi suficiente para tirar o gostinho de passado. Os barcos utilizados pela equipe de cientistas, por exemplo, seguem modelos reproduzidos há muitas décadas e não diferem em nada dos barcos empregados atualmente no transporte da população local. O toque supremo de nostalgia ficou por conta dos artistas plásticos Carlos e Beatriz Vergara, presentes à expedição. Suas telas, pintadas durante a viagem, farão parte de um livro que a UnB lançará em 2001. Modernidade, só mesmo no equipamento utilizado para documentação em vídeo, graças ao apoio dos governos brasileiro e venezuelano. Dois videomakers gravaram dezenas de horas de fitas, que serão transformadas em um documentário e em uma videoteca, com os depoimentos de 50 moradores da Amazônia na íntegra. Outros registros do que os pesquisadores viram, como as ruínas de cidades bicentenárias, a exuberância da mata, os povos e os animais da floresta, ficaram a cargo do fotógrafo Juan Pratignestós, da UnB. Veterano em Amazônia, Pratignestós colheu com sua câmera nada menos do que dez mil fotos. São dele as belas imagens que ISTOÉ publica com exclusividade.

Charles Darwin Alemão
Não seria um exagero dizer que Alexander Von Humboldt foi uma espécie de Charles Darwin alemão. A exemplo do célebre cientista e biólogo inglês, Humboldt passou boa parte da vida em navios e expedições. Ele nasceu no dia 14 de setembro de 1769, em Berlim. A morte do pai, um oficial do exército prussiano, quando tinha oito anos, não atrapalhou sua formação, voltada à Matemática e aos estudos linguísticos. Aos 23 anos, empregou-se em uma companhia mineradora. Obcecado pela eficiência, conseguiu racionalizar os procedimentos da mineração. A medida provocou o aumento na produção de ouro. Pouco depois começou a estudar Botânica, Física e Matemática. Com o dinheiro herdado da mãe, pôde realizar o grande sonho de sua vida: viajar pelas Américas, ao lado do médico e botânico francês Aime Bonpland. A dupla fez um estudo detalhado sobre a fauna e flora da região. O resultado dos mais de 9.500 quilômetros de expedições está registrado no livro Viagem às regiões equinociais do novo continente. Em outra obra, Ensaio político no reino da nova Espanha, ele desnudou o México, país até então praticamente desconhecido do europeu.