28/05/2008 - 10:00
MOZART “Sentimentalismo altamente vendável”
Existem atualmente no mercado da música erudita pelo menos 280 gravações diferentes da famosa Quinta sinfonia, do compositor alemão Ludwig van Beethoven. Ela está disponível para download até nos telefones celulares. Outro best-seller dos clássicos, As quatro estações, do italiano Antonio Vivaldi, virou trilha sonora de comercial de perfumes e ganhou 435 novas interpretações em todo o mundo. Mas foi-se o tempo em que as regravações desses chamados “clássicos tão populares” viravam sucessos de venda garantida. Quem estaria interessado em adquirir a 436ª versão da obra-prima de Vivaldi? A provocação é do crítico inglês Norman Lebrecht, que acaba de lançar o livro Maestros, obras-primas e loucura – a vida secreta e a morte vergonhosa da indústria da música clássica (Editora Record, 390 págs, R$ 59). Na obra, ele aborda a história das gravações de clássicos e sentencia o fim dessa forma de arte devido à falência das principais gravadoras.
O ex-produtor da Sony Michael Haas atribui a crise à carência de novos artistas: “A música clássica foi derrubada pela falta de compositores. Sem novas músicas não havia alternativa senão reciclar o passado.” Ou, então, lançar mão de outros artifícios, como fez uma gravadora em 2005: contratou um quarteto de cordas em que as sensuais violinistas, trajando maiôs, executavam um concerto de Beethoven. A verdade é que nada funcionou: nem o apelo sexual nem o sucesso momentâneo de Os três tenores, trio formado pelo italiano Luciano Pavarotti e pelos espanhóis José Carreras e Plácido Domingo. Se há duas décadas os grandes selos lançavam 700 álbuns por ano, hoje não lançam sequer 100 novos discos eruditos.
MORDAZ O autor Norman Lebrecht causa polêmica ao dissecar o fechado mundo da música erudita
Lebrecht é pessimista ao vislumbrar o futuro dos clássicos na era da internet e dos downloads gratuitos, mas aposta que a boa música “haverá de perdurar”, devido às mais valiosas e influentes gravações de todos os tempos que ele relaciona no livro. Faz também uma lista dos 20 discos que, em sua opinião, jamais deveriam ter sido produzidos. Está nesse rol o CD A different Mozart, lançado em 1996, que explora o que ele chama de “sentimentalismo altamente vendável” do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart. Na verdade, Mozart é descrito como tão ruim que remete “às músicas de elevador ou saguão de aeroporto”, e o autor não esconde sua má opinião sobre a obra do compositor: “Não tem nada a dizer à mente e ao espírito do século XXI.”
Poucos escapam à mordacidade do crítico. Ele destaca os parcos recursos técnicos do tenor Andrea Bocelli, os quais ficam cruelmente evidentes quando ele canta o Réquiem, de Giuseppe Verdi, numa clássica gravação em que é acompanhado pelas renomadas sopranos Renée
Fleming e Olga Borodina. “Ele parecia um jogador de peladas domingueiras numa final de Copa do Mundo”, escreve Lebrecht. Entre as 100 divinas obras escolhidas por ele está o Concerto para piano nº 1, de Johannes Brahms, que quase não saiu devido a um desentendimento entre o poderoso regente Fritz Reiner e o solista Arthur Rubinstein. Motivo: Reiner dissera que Fréderic Chopin era um compositor afeminado e “provavelmente gay” e Rubinstein tomara isso como um insulto pessoal.
Outra revelação indiscreta refere-se à soprano Maria Callas: quando ela subiu ao palco pela última vez em 1965 para fazer a sua monumental interpretação da Tosca, de Giacomo Puccini, estava profundamente triste, pois acabara de ser abandonada pelo armador grego Aristóteles Onassis (ele a deixou para se casar com Jacqueline Kennedy). Fica-se sabendo também que o pianista Vladimir Horowitz, que além de gênio foi um grande vendedor de discos, “era maníaco depressivo e desajeitadamente gay. Uma síntese do pianista maluco: usava gravata- borboleta, comia apenas peixe cozido e só dava concerto às 16h30”. Também para o poderoso maestro austríaco Herbert von Karajan (1908-1989), único regente a atingir a marca dos 200 milhões de discos vendidos no mundo (um pop star da música clássica), o autor reserva o seu veneno. E o destila. Karajan é descrito como um maestro com excelente visão de mercado e um estilo personalista e autoritário, temperamento que teria lhe rendido o apelido de Adolf Hitler dos eruditos. Musicalmente, na opinião de Lebrecht, teve o dom de uniformizar toda orquestra que conduziu, fazendo com que produzissem “o mesmo barulho” e não importando o tema que tocassem. O crítico desafina o maestro: “O seu concerto Alla Rustica, de Vivaldi, soa bucólico como o motor de uma Mercedes”.
TRÊS TENORES Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti tiveram um sucesso fugaz