01/12/2000 - 10:00
O fotógrafo gaúcho Eurico Salis descobriu Gisele Nardi de Fabris ao ler a entrevista da moça na revista Vip, em fevereiro deste ano. Encantado, convidou-a para figurar no seu livro 100 retratos brasileiros – apaixonados por carro. Dois meses depois, fizeram o ensaio fotográfico na oficina mecânica de Gisele e do marido, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo. Bem-sucedida nos negócios, era uma das 20 brasileiras credenciadas pelo Automotive Service Excellence, referência de qualidade em serviços mecânicos nos Estados Unidos. Aos 37 anos, também ensaiava uma promissora carreira de modelo. O livro de Eurico, lançado este mês, seria tema de uma reportagem de ISTOÉ. Durante a apuração descobriu-se a trágica história da bela mecânica: no final do mês passado, Gisele foi assassinada, com dois tiros, no bairro paulistano da Saúde. Ao lado, estava o corpo do namorado e dono do apartamento, Armando Tomé da Costa, 57 anos, morto com um tiro na cabeça. A polícia só tem uma certeza: o crime foi passional, movido pelo mesmo ciúme doentio que já encheu muitas páginas de jornal com dramas parecidos. Gisele foi morta, o que aconteceu com Armando ainda é um mistério.
O policial militar Suelington Antônio da Silva, pouco antes das 11h de sábado, 21 de outubro, diz ter recebido no celular um telefonema de Gisele. Ela não teria tido tempo sequer de completar o nome do amigo. Suelington, do outro lado da linha, ouviu três tiros. Segundo a conta telefônica, esta ligação durou quatro minutos. “Chamei meus colegas do Batalhão e fomos ao apartamento ver o que tinha acontecido. Arrombamos a porta e encontramos ela e o sujeito caídos no chão”, narrou. Suelington, o primeiro a chegar ao local do crime e única testemunha do boletim de ocorrência, disse que em julho a mecânica deixou a casa que dividia com o marido, Eduardo de Fabris, 40 anos, para viver com Armando, proprietário de uma revendedora de carros.
Marido infiel – Armando não era o genro que toda mãe pede a Deus. Embora fosse discreto e gentil, tinha fama de mulherengo. Chegava a ter mais de uma namorada ao mesmo tempo, todas jovens. Foi casado durante 25 anos com Kátia, 53 anos, com quem teve três filhas. Tinha mais dois filhos de relacionamentos anteriores ao casamento. Há nove anos, Kátia e Armando estavam divorciados e o motivo da separação foi a infidelidade do marido. “Chegamos a reatar, mas ele era muito mulherengo. Brigávamos bastante porque ele não escondia os casos extraconjugais”, diz a ex-mulher. Kátia e as filhas são unânimes: Armando nunca seria um suicida. “Vivi com ele 25 anos e tenho certeza de que não se matou nem matou Gisele”, afirma. Elas o descrevem como um homem apaixonado pela vida e extremamente vaidoso. Corintiano roxo, gostava de ouvir samba e jogar futebol, não fumava, bebia pouco e ultimamente – já namorando Gisele – estava fazendo bronzeamento artificial.
Grudados – Do outro lado da história está Gisele, casada com Eduardo durante 13 anos. Ele descreve a moça como uma pessoa maravilhosa, que amava a vida, o trabalho na oficina e os três cachorros – dois cocker spaniel e um vira-lata. O marido, que na hora do crime disputava um rali de carro no interior de São Paulo, foge do assunto, mas chegou a comentar: “A relação era ótima e nós ficávamos 24 horas grudados, todos os dias.” Na semana em que Gisele morreu, diz Eduardo, eles discutiram uma possível reconciliação. Visivelmente abatido, garante que não está interessado em saber o que realmente aconteceu no fatídico 21 de outubro. Apenas gostaria que a esposa estivesse viva, mesmo morando com outro.
Armando conheceu Gisele há menos de um ano, quando instalou um estacionamento e uma revenda de carros num terreno alugado ao lado da casa da mecânica. Provavelmente nessa época ele namorava também Mariza, com quem teve um caso durante cinco anos, conta a família. Ninguém sabe precisar quando o romance entre Gisele e Armando começou. Mesmo depois de julho, quando se mudou para a casa do empresário, ela continuou trabalhando na oficina, com Eduardo. Em comum, Gisele e Armando tinham a paixão por carros e a fixação pela boa forma. Costumavam sair à noite e no feriado de 12 de outubro curtiram uma breve “lua-de-mel” em Rio das Ostras (RJ).
As primeiras evidências apontaram para um caso de homicídio seguido de suicídio. Gisele foi baleada com um tiro nas costas e outro na barriga e o corpo estava no corredor do apartamento. Armando foi atingido na cabeça e encontrado na sala, com um revólver encaixado numa das mãos. Os laudos do Instituto de Criminalística ainda não chegaram às mãos da polícia, que não se convenceu da primeira hipótese e passou a considerar a possibilidade de duplo homicídio. A pergunta principal é: que motivos Armando teria para matar Gisele e suicidar-se? Por que um homem vaidoso e rodeado de mulheres faria isso? Ieda, mulher do policial Suelington e grande amiga de Gisele, disse que ela estava indecisa entre continuar com o novo namorado ou voltar para o marido. No entanto, vizinhas do apartamento de Armando garantem que no dia anterior ao assassinato Gisele chegou carregando duas sacolas de roupas.
Casa nova – Armando dava mostras de que não pretendia morrer tão cedo: chegou a ligar para a imobiliária que alugou o apartamento e pedir uma casa para acomodar os cachorros de Gisele. Além disso, o inquérito evidencia uma série de detalhes contraditórios entre os depoimentos de Eduardo e Suelington. O ex-marido alega ter perguntado a Gisele onde ela estava morando e o policial declarou que Eduardo queria descobrir o endereço com a ajuda de um detetive. Outro detalhe intrigante: segundo Daniela, umas das filhas de Armando, Gisele disse ter brigado com Mariza na porta do apartamento de Armando por ciúme. Enquanto a polícia não chega a uma conclusão, fica uma certeza: o autor do crime estava dominado pela paixão. Aquela que mata.