01/12/2000 - 10:00
Em meio ao furacão cultural e político a que as mulheres estiveram expostas na segunda metade do século XX, elas sentiram na pele as vantagens e desvantagens da pílula anticoncepcional, o fim da supremacia do macho da espécie, a consolidação do feminismo, o esfacelamento da instituição do casamento, etc. Sílvia, a protagonista de Da natureza das coisas (Beca, 300 págs., R$ 29), romance de estréia da ex-publicitária Júlia Mainardi, carrega consigo a dor, o ardor e a consciência desta geração orgulhosa de haver quebrado tabus, mas que foi condenada a viver entre seus destroços, aguardando e colaborando para que seus filhos ergam um futuro generoso. Ex-mulher do publicitário Ênio Mainardi, redatora elogiada, Júlia abriu mão de arroubos formais e qualquer pirotecnia literária.
Com um despudor incomum, ela mergulhou nas contradições vivenciadas por uma personagem culta, de classe média alta, sensível com a pobreza e as desigualdades sociais, mas
francamente impotente. Não seria estranho, portanto, ter
reservado às próprias mulheres, principalmente às amigas de Sílvia, os melhores perfis do livro. Ao sexo oposto, a autora dedicou os polaróides de seu esfacelamento. É a vida de uma mulher num texto denso, sem ser pedante ou de apelo aos psicologismos, que os homens lerão com atenção redobrada. Talvez até para não incorrer nos mesmos erros.