28/05/2008 - 10:00
Principais aliados dos cidadãos brasileiros na luta por seus direitos, integrantes do Poder Judiciário estão sob risco. No combate a quadrilhas envolvidas nos mais variados tipos de crimes, alguns advogados, promotores e juízes de todo o País têm recebido ameaças e sofrido atentados com freqüência assustadora. A resposta violenta à ação da Justiça não é fato novo, mas preocupa o agravamento do problema nos últimos tempos. "A situação piorou da segunda metade da década de 90 para cá, com o avanço do crime organizado", avalia o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes. Somente nos primeiros meses deste ano, três juízes sofreram atentados e quatro advogados foram assassinados no País por conta das ações em que atuam. As entidades de classe reivindicam maior eficácia na proteção aos profissionais.
"É preciso criar penas mais severas para esse tipo de crime", diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto. "Garantir o trabalho do advogado é garantir o Estado de Direito."
VIDA ANORMAL
O juiz Odilon de Oliveira e a família vivem 24 horas sob vigilância da Polícia Federal
Três áreas concentram a maior parte das ocorrências. A fronteira, onde há vários processos contra contrabandistas e atacadistas do tráfico de drogas; o Norte, principalmente por causa de ações que envolvem conflitos de terra; e o Sudeste, com facções de traficantes e policiais ligados a criminosos na mira da Justiça. No Rio de Janeiro, o advogado João Tancredo é um dos que sofreram atentado. Sua atuação como presidente do Instituto de Defesa de Direitos Humanos e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio o levou a denunciar policiais militares que praticavam violências contra moradores de comunidades carentes. Há quatro meses, ele foi à favela de Vigário Geral, zona norte, ouvir as reclamações de truculência da PM. Quando saía, ao volante de seu Toyota, viu uma motocicleta com dois homens se aproximando. Um deles, de fuzil em punho, disparou quatro tiros. Graças à blindagem, Tancredo não foi atingido. "Eu já vinha recebendo ameaças que citavam inclusive minha família, mas não levava muito em consideração", conta ele. Apesar disso, o caso foi registrado como tentativa de assalto. Atualmente, o advogado paga dois seguranças para garantir sua integridade.
Polícia que morre
Além dos integrantes do Judiciário, também a polícia está acuada pelos criminosos. No domingo 18, os bandidos deram mais uma prova de ousadia ao executar o delegado Alcides Iantorno, da Polícia Civil do Rio, quando ele entrava em um supermercado na zona oeste da cidade. O policial foi alvejado com um tiro na nuca. Iantorno investigava a atuação das milícias, grupos paramilitares formados por policiais que cobram para prestar segurança, em uma favela da Penha. O crime comoveu os seus colegas, que prometeram identificar e prender o assassino. “Vamos dar resposta a esses bandidos”, bradou o governador Sérgio Cabral.
A companhia desses homens mal-encarados a seguir-lhe os passos já é rotina para o juiz federal Odilon de Oliveira, em Mato Grosso do Sul. Nos últimos dois anos ele tirou do crime organizado bens no valor de R$ 4 bilhões, inclusive 85 fazendas. Já julgou processos envolvendo 120 dos maiores traficantes do País, entre eles Fernandinho Beira-Mar e Juan Carlos Abadía. Desde 2004 ele e sua família vivem 24 horas vigiados por quatro policiais federais. "Tenho 59 anos e não acredito que um dia voltarei a ter uma vida normal", lamenta. A escolta não evitou que em 2005 o hotel militar em que Oliveira estava hospedado fosse atacado a tiros e que vários outros planos de atentados fossem elaborados – todos frustrados pela Polícia Federal. "Não sei se um juiz novo, que está iniciando agora a carreira, vai querer se submeter a esses riscos. Essas intimidações podem influenciar suas sentenças."
NA MIRA
Frei Henri des Roziers defende trabalhadores e teme os poderosos donos de terras
Na Região Norte, os principais ameaçados trabalham em processos relativos a questões agrárias. Integrante da Comissão Pastoral da Terra, o frei francês Henri des Roziers é também advogado e sua especialidade são justamente as ações nas quais os pequenos agricultores enfrentam grandes latifundiários. Ele vive na cidade de Xinguara, no Pará, e há 17 anos atua na região. Tem participado como assistente de acusação em processos cujas vítimas são os trabalhadores rurais e sindicalistas. "Isso causa a revolta dos poderosos donos de terras", diz ele. Como conseqüência, começou a receber ameaças e, contra a sua vontade, passou a ter dois policiais como segurança. Para Des Roziers, não é a proteção extra que reduz as tentativas de intimidação, mas a punição dos criminosos. "Nos processos em que atuei, houve cerca de 500 acusados. Não passam de 15 os que foram a júri, com apenas cinco condenações", contabiliza o frei. "A impunidade incentiva a ousadia dessas quadrilhas."
A perseguição a advogados e juízes chamou a atenção da Lawyer’s Rights Watch, ONG canadense que defende os advogados em risco no mundo todo. A entidade já enviou cartas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo atenção ao problema. As entidades de classe, por sua vez, provocam o Poder Legislativo. A associação dos juízes tenta aprovar na Câmara dos Deputados o projeto número 2.507/2007, que adota medidas para preservar a segurança e assistência a magistrados em situação de risco. "Se a integridade desses profissionais não for garantida, o direito à Justiça estará em risco no Brasil", acredita o presidente da entidade .