Freud estaria orgulhoso. Psicólogos e psicanalistas estão deixando seus consultórios – ou abrindo suas salas – para oferecer assistência à população mais pobre. A tendência foi retratada na primeira Mostra de Práticas em Psicologia, realizada recentemente em São Paulo. No encontro, foram apresentados 1,5 mil trabalhos de psicólogos voltados para a questão social. Incluem desde a ajuda em instituições que dão assistência a menores até o atendimento em ambulatórios para tratar quem nunca antes havia pisado em um consultório.

Um exemplo dessa tendência é o trabalho com desempregados feito em Porto Alegre. A sessão terapêutica é gratuita, semanal, e pode ser realizada em grupo ou individualmente. Com o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS) e uma sala no prédio onde funciona o Sistema Nacional de Emprego, sete terapeutas recebem em média 200 pessoas por mês. “Nossa meta é ajudá-las a caminhar com segurança nessa hora difícil em que a maioria desanima”, conta Margaret Tadiello, coordenadora do projeto. Para os pacientes, tem sido uma ajuda e tanto. “Estou mais seguro. Percebi quanta gente como eu há por aí”, avalia Jorge Rodrigues, 52 anos, ex-motorista de lotação. Essa aproximação ainda carrega preconceitos. Muitos acreditam que a assistência psicológica deva ser para os fracos ou para os doentes mentais. O ex-motorista de lotação Rodrigues, por exemplo, não escapou de comentários indelicados. “Acharam que era frescura”, lembra.

Outros locais que vêm abrindo suas portas para atendimentos mais amplos são as universidades, pioneiras nesse tipo de assistência. “Em 1975, muitos argentinos chegaram ao Brasil, fugidos da repressão, trouxeram experiências de trabalho fora do consultório e começaram a atuar dentro de instituições”, conta Moisés da Silva Júnior, psicanalista idealizador do documentário Nós outros e a psicanálise, sobre a história da psiquiatria entre 1960 e 1970 no Brasil e na Argentina. Moisés dirige o centro de terapia do Projeto Núcleo, sistema de saúde mental que está fazendo parcerias com os convênios médicos para atendimento da população. Hoje, as clínicas-escolas de psicologia prestam serviços gratuitamente ou por quantias simbólicas. Em São Paulo, bons exemplos são vistos na Universidade São Marcos e na Universidade Estadual de Campinas. No Rio, um dos trabalhos mais expressivos é o da Santa Casa de Misericórdia. Nos ambulatórios, há filas de espera. Em geral, o atendimento se baseia em terapias com tempo de duração mais curto e focadas no problema. “Fazemos psicoterapia breve para pessoas com transtornos de pânico, obsessivas compulsivas, com depressão ou ansiedade”, explica Vera Lemgruber, coordenadora do trabalho do hospital carioca. A professora Adriana Pina, 27 anos, aprovou a terapia. “Estava com problemas no casamento. Foram 30 consultas em oito meses. Hoje sei lidar com as dificuldades mais tranquilamente”, diz. Como se vê, a banda Titãs estava certa. “Eles cantaram: ‘A gente não quer só comida!’. O povo quer diversão, arte, saúde e psicologia”, conclui o psicanalista Mauro Hegenberg, de São Paulo.