20/12/2000 - 10:00
O governo se prepara para implantar um projeto abrangente de reforma do sistema financeiro brasileiro. Vai muito além da independência do Banco Central. Envolve a reorganização da supervisão das atividades de bancos, mercado de capitais, seguros e previdência privada, hoje sob a responsabilidade de quatro órgãos distintos: respectivamente, BC, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Secretaria de Previdência Complementar. A idéia é criar uma agência reguladora para cuidar de todos esses assuntos – com exceção do acompanhamento da saúde do setor financeiro, que permaneceria no BC.
Mas isso ainda está sendo debatido internamente no governo, diz Armínio Fraga, o maior entusiasta das mudanças (leia entrevista). Não é à toa que o presidente do BC trata o tema com todo o cuidado possível. A atual equipe econômica está desenhando, à sua imagem e semelhança, dois órgãos autônomos, um o próprio BC e o outro a agência reguladora. Os princípios básicos em vigor – entre eles, estabilidade monetária e responsabilidade fiscal – podem virar tábua da lei para governos subsequentes.
“Antigamente, a isso se chamava de golpe”, dizia, no início de dezembro, editorial do site Primeira Leitura, do ex-ministro Luis Carlos Mendonça de Barros. “Agora que a oposição mostrou que pode ganhar as próximas eleições, o governo FHC quer dar uma sobrevida ao estado de coisas”, afirma Guido Mantega, um dos principais economistas do Partido dos Trabalhadores.
Francisco Gros, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), não vê “cunho ideológico na proposta”, pois, para ele, os princípios adotados pela atual gestão são “pré-condições” para qualquer política econômica. “Se um governo de oposição aceita a irresponsabilidade fiscal e a não-estabilidade da moeda, isso devia ser explicitado na sua plataforma de campanha”, ironiza. Lembre-se de que Gros discursava em defesa de um BC independente, no estilo do Fed americano já no início dos anos 90, quando presidia a instituição e era chefe de Fraga. Outro ex-presidente do BC, Gustavo Loyola, também defende a independência da instituição.
De fato, já se tenta a algum tempo solidificar a política que o governo considera inquestionável. Sérgio Werlang, ex-diretor do BC, foi responsável pela estruturação do sistema de metas inflacionárias. Funciona da seguinte forma: o governo fixa um porcentual de inflação para os próximos dois anos e o BC executa uma política para atingir a meta. Na prática, significa condicionar à prioridade máxima – controle dos preços – todas as outras variáveis de política econômica, como crescimento e emprego. O próximo governo assumirá com metas fixadas para os dois primeiros anos de gestão, 2003 e 2004. Poderá modificá-las, caso deseje? É uma das muitas dúvidas que estão no ar.
Werlang resolveu mudar as exigências no currículo dos técnicos do BC. Priorizou a formação que faz escola na equipe econômica, ou seja, um diploma made in EUA. “No começo houve alguma resistência, porque era uma novidade, mas depois eles viram que era importante para eles próprios”, diz. Na mesma toada de atrair pessoas com pensamento afinado à equipe econômica, dois cariocas que frequentam a mesma praia que Fraga e Gros chegaram recentemente ao governo: Solange Paiva, no lugar de Paulo Kliass na Secretaria de Previdência Complementar, e Marcelo Fernandez Trindade, como diretor da CVM.
Empenho – O projeto do governo vai ter que ser negociado com o Congresso Nacional. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, esteve recentemente na Câmara dos Deputados defendendo a aprovação rápida da regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro. O assunto está pendente há 12 anos, mas, se depender do empenho do governo, agora vai. “O assunto será prioridade na nossa pauta do ano que vem”, diz o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
O criador e a criatura | |
Em entrevista a ISTOÉ, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, procura dar sua visão sobre a independência do BC – termo que, aliás, considera equivocado: ISTOÉ – Qual é o projeto do governo para a criação de um Banco Central independente? ISTOÉ – E quais são esses princípios? ISTOÉ – Qual seria esse mandato? ISTOÉ – O que mais está no desenho geral? ISTOÉ – Esse assunto não está em debate desde o começo do ano, quando foi criado o grupo de trabalho sobre mercado de capitais e poupança de longo prazo? ISTOÉ – Esse grupo de trabalho se encontra mensalmente desde janeiro? ISTOÉ – Apesar de se discutir o projeto há algum tempo, ele ainda está indefinido? ISTOÉ – Quando as idéias vão ser colocadas em prática? ISTOÉ – Por que esse assunto que o sr. colocou e defende há muito tempo só vem à tona agora? ISTOÉ – Não pode amarrar o próximo governo, como se comenta? ISTOÉ – Imagine que a população decida por outro modelo na hora de ir às urnas. ISTOÉ – Quem fixaria as metas inflacionárias: o governo ou o BC? ISTOÉ – Quando o próximo governo chegar, vai ter dois anos de metas inflacionárias aprovadas. Poderia mudá-las? ISTOÉ – E se o próximo governo quiser uma taxa de juros mais baixa, ter outras prioridades? ISTOÉ – Seria sua intenção continuar num BC independente? ISTOÉ – E se fosse do desejo de quem decide? |