Quase 50 anos depois de o general americano Douglas McArthur ter ameaçado jogar bombas atômicas contra a Coréia do Norte, os Estados Unidos estão prestes a estabelecer relações com o último bastião do stalinismo do mundo. Em outubro, ninguém menos que a secretária de Estado americana, Madeleine Albright, visitou oficialmente o dirigente Kim Jong-il, filho do ditador Kim Il-sung, o homem que levou seu país à guerra contra a Coréia do Sul em 1950, um conflito que provocou a intervenção de Washington e custou a vida de cerca de 50 mil soldados americanos. O Departamento de Estado admite que os dois países ainda mantêm divergências profundas, mas caminham para a normalização das relações diplomáticas. Afinal, os EUA já se entenderam até com o Vietnã. A Coréia do Norte é um dos países – ao lado do Irã, Líbia, Iraque e Sudão – que até há pouco era considerado “Estado terrorista” pelos EUA, supostamente por apoiar ações terroristas contra objetivos ocidentais. Além disso, Tio Sam vive de orelha em pé por causa do programa nuclear que os norte-coreanos desenvolveram e, aparentemente, congelaram. Os sinais da “détente” na península coreana se tornaram claros em meados deste ano, quando Pyongyang foi palco de uma histórica reunião de cúpula entre Kim Jong-il e o presidente sul-coreano, Kim Dae-jong – este último acabou ganhando o Prêmio Nobel da Paz pela iniciativa de dialogar com o vizinho do Norte.

Mas, apesar do clima de distensão estabelecido com a comunidade internacional nos últimos meses, a Coréia do Norte continua sendo, uma década após o fim do comunismo na Europa, o mais fechado e misterioso país do mundo. O regime comunista, instituído nas bases do stalinismo fervoroso dos anos 40, continua praticamente intacto, apesar de todas as mudanças que aconteceram no mundo nas últimas décadas. Na República Democrática Popular da Coréia, a economia socialista planificada convive com o culto à personalidade do líder, numa sociedade militarizada em alerta permanente, onde predominam o atraso tecnológico e o isolamento cultural em relação ao resto do mundo.

Culto à personalidade – O aspecto mais marcante na visita de qualquer estrangeiro à Coréia do Norte é o sistema de culto à personalidade instituído para reverenciar as figuras de Kim Il-sung, o chamado “grande líder”, fundador do regime e ditador que governou durante 49 anos, e de seu filho e sucessor Kim Jong-il, que se autonomeou “líder querido” e manda no país há seis anos. O culto começa no modesto aeroporto de Sunan, na capital Pyongyang, onde se destaca um enorme pôster de Kim Il-sung e se espalha por todos os lugares da Coréia do Norte. Os poucos estrangeiros que visitam o país – na maioria, diplomatas e funcionários de organizações humanitárias – são compelidos a depositar uma coroa de flores na Colina de Mansu, onde fica a mais imponente das milhares de estátuas de Kim “grande líder” que existem em todas as cidades. O clima de veneração tem tons claramente religiosos. Todos os cidadãos coreanos são obrigados a usar um broche na lapela esquerda com a figura de um dos dois líderes. Até o calendário do país se presta ao culto à personalidade. Os anos são contados a partir do nascimento de Kim Il-sung, em 1912. O ano 2000, então, é na Coréia do Norte o ano Juche 88 (juche é a palavra norte-coreana que designa autodeterminação).

A economia norte-coreana se diferencia de todo o resto do mundo pelo fato de o governo manter o regime de planificação centralizada e a interferência do Estado em todos os aspectos da atividade econômica. Comida e vestuário são fornecidos à população em cotas periódicas através dos entrepostos do governo. Todo o sistema educacional e de saúde é estatal. Moradia é alocada através do Estado, de acordo com os critérios do regime.

O país ainda tenta se recuperar da grande crise na produção de alimentos, agravada a partir das inundações ocorridas em 1995, que afetaram sobretudo o setor agrícola. Em consequência de desastres naturais e das dificuldades surgidas com o colapso do bloco soviético, a Coréia do Norte tem vivido uma grave crise econômica. Não há dados oficiais confiáveis, mas entidades internacionais calculam que o número de mortos pela fome nos últimos cinco anos ficou entre um e três milhões de pessoas, numa população de 22 milhões. Dois terços da população estaria sofrendo de desnutrição crônica.

Este ano, as chuvas não têm sido suficientes para propiciar uma grande safra de milho e de arroz e espera-se novos problemas no abastecimento. Em todo o país é possível observar homens muito magros, sobretudo ao longo das estradas que cortam a província de Hwanghae do Norte, onde fica a cidade de Kaesong. Como resposta à crise de alimentos, o governo tem feito vista grossa ao aparecimento de mercados de camponeses, onde são vendidos alimentos a preços livres, sem o controle direto estatal.

A presença de militares fardados é uma constante em todos os lugares. Calcula-se que a Coréia do Norte seja hoje o país mais militarizado do mundo, com mais de um milhão de soldados. A presença militar é mais evidente nas áreas ao sul de Pyongyang, em direção à fronteira com outra Coréia, a capitalista. O governo concluiu em 1992 uma moderna rodovia em linha reta, cortando montanhas através de túneis, entre a capital e a cidade de Kaesong, na fronteira. Os 160 quilômetros da estrada são facilmente percorridos em menos de duas horas. Não há nenhum trânsito de veículos civis. Às vezes se vêem jipes militares.

Famílias separadas – A separação de famílias desde os anos 50 é o aspecto mais traumático da divisão das duas Coréias. Apesar de o assunto ser mais discutido no Sul – onde o governo depende da popularidade para se manter no poder –, essa questão é uma preocupação constante também entre a população do Norte. O coronel do Exército do Povo Lee Min Ok, um dos responsáveis pela visita a Panmunjon, diz com olhos marejados que a divisão da Coréia envergonha toda a população. “Só poderemos voltar a sorrir no dia em que esta situação acabar e todo o país for reunificado.”

Nas ruas de Pyongyang o que se vê é uma população comportada e resignada às dificuldades do cotidiano. Há racionamento de energia nas ruas e os únicos pontos iluminados à noite são a imensa Torre da Idéia da Juche e alguns slogans políticos. Os bondes e ônibus circulam superlotados. As mulheres se vestem quase sempre com saias longas e blusas talhadas no figurino russo dos anos 60. Os homens, com camisas azul-escuras, calças folgadas e tênis de lona. Não há cores vibrantes, jeans, camisetas, maquiagem, cabelos pintados e roupas que exibam qualquer traço de sensualidade. Com tantas restrições, é fácil entender por que muitos norte-coreanos ainda acreditam na propaganda oficial que afirma que o país é um “exemplo para o mundo”.