Jorge Pereira Peres não chegou a concluir o primeiro grau. Nas conversas com os vizinhos, se define como “um semi-analfabeto esclarecido”. Ele nasceu em Mato Grosso e há 50 anos vive no Amazonas. Passa mais tempo dentro dos rios do que no pequeno sobrado onde mora com a mulher e quatro filhos, em Manaus. “Conheço como ninguém o fundo desses rios”, diz. Modéstia à parte, Jorge Peruano, como é chamado pelos amigos, é, de fato, um conhecedor dos rios do Amazonas. A própria Marinha do Brasil admite que ele vale o quanto fala. Aos 64 anos, Jorge ganha a vida mergulhando para resgatar barcos acidentados. Os seus olhos marejam quando retira do armário as medalhas e diplomas recebidos da Marinha em reconhecimento pelos serviços prestados.

Uma dessas honrarias data de 1986. Na ocasião, empenhada em atualizar as cartas náuticas da região, a Marinha utilizava um avião hidrográfico H-12 para fazer pesquisas. O objetivo era detalhar o solo do Solimões e de seus principais afluentes. “Eu avisei. Disse que o problema ali não era a profundidade e nem a existência de pedras, mas a correnteza, que sempre traz muitos troncos rio abaixo”, recorda Jorge Peruano. Um tronco acabou tombando o avião, que afundou com dois tripulantes. O resgate do aparelho foi feito por Jorge. “Esperei que a correnteza perdesse força e mergulhei para içar o avião”, diz, ao mostrar o diploma de Amigo da Marinha do Brasil. “Infelizmente não foi possível salvar os dois militares.” aprendi a usar cilindros de oxigênio, mas até hoje prefiro mergulhar sem equipamento. Fico mais ágil”, afirma. Dois anos depois, voltou a Manaus e começou a construir a fama de caçador de náufragos. Jorge comprou uma balsa de 40 metros, tamanho suficiente para transportar um guindaste com capacidade para 20 toneladas, e diz com orgulho que treinou dois de seus filhos para ajudá-lo. “Foram mais de 15 anos guardando dinheiro”, lembra o mergulhador. “Com esse equipamento, arrecado cerca de R$ 3 mil por mês.”

Um dos casos que costuma repetir aos amigos foi o resgate do Bandeirante II, um navio feito na Dinamarca, com 44 metros de comprimento. Em 1997, o barco bateu em uma pedra e afundou 41 metros. “Dado o porte da embarcação, seria impossível mergulhar, amarrar os cabos e içar com o guindaste”, explica Jorge. “Para resolver o problema, passamos mais de 30 dias mergulhando. Íamos colocando os cabos e arrastando o navio até a margem. Quando o convés atingiu a superfície, conseguimos retirá-lo do fundo.” Hoje, o Bandeirante II navega normalmente.