20/12/2000 - 10:00
Num fictício reino inca fincado no topo dos Andes, um mimado imperador precoce chamado Kuzco quer destruir todo um vilarejo para construir nos altiplanos um parque chamado Kuzcotopia. Em seus chiliques, costuma demitir conselheiros e lançar serviçais ao precipício pela janela do palácio. Mas ele vai ter a sua lição. O adolescente insuportável é protagonista do desenho animado da Disney A nova onda do imperador (The emperor’s new groove, Estados Unidos, 2000) – estréia nacional na sexta-feira 29, em 250 cinemas do País – cuja história tem uma ligação muito remota com o clássico conto de fadas de Hans Christian Andersen sobre o famoso soberano que só se preocupava com o brilho do guarda-roupa. Não é o caso do jovem em questão, mesmo porque ele está muito mais interessado em se divertir.
Kuzco não sabe, mas a sua malvadeza cândida é fichinha perto da perversidade de seus oponentes. O maior deles atende pelo nome de Yzma, bruxa-conselheira com ares de Bette Davis, versada na arte das poções malévolas. Enfiada em modelitos exóticos, feitos de plumagens exageradas, a ambiciosa Yzma foi afastada do cargo num dos caprichos imperiais. Jurando vingança, prepara com Kronk, ajudante truculento e desastrado, o extermínio do imperador num daqueles jantares regados a bebidas envenenadas, com direito a Garota de Ipanema, em versão música para elevador, como trilha sonora. Acontece que o cabeça-dura do Kronk erra as poções e, em vez de dar um sumiço no monarca, o faz virar uma lhama. Humanos transformados em animais falantes não são novidade nas produções da Disney, mas assistir às trapalhadas sobre quatro patas de Kuzco rende boas risadas. Até porque, por ironia do destino, a lhama vai cair nas mãos de Pacha, camponês de bom coração cuja casa iria dar lugar à tal Kuzcotopia. O encontro acaba gerando uma dupla que aprende aos trancos e barrancos o valor da amizade e da solidariedade.
Para injetar humor nas aventuras vividas por Kuzco e Pacha, os desenhistas viram muitos filmes das duplas formadas por Jerry Lewis–Dean Martin e Bud Abbott–Lou Costello. Como se sabe, grande parte das piadas destas comédias do passado estava amparada no confronto entre um coadjuvante sério e um protagonista amalucado. É o que acontece também em A nova onda do imperador, que além desta química fez de Pacha o Gordo e de Kuzco o Magro, outra receita de riso certo. Numa das cenas mais engraçadas, o imperador-lhama se traveste de mulher, enrolando-se no poncho verde de Pacha para ter acesso a uma birosca que não aceita a entrada de animais.
Outras tiradas de colorido mais local foram acrescentadas nos diálogos adaptados à realidade brasileira. Uma delas é quando a lhama, vidrada em passos de dança, encontra o camponês e lhe pergunta com arrogância: “Acho que já fomos apresentados. Não foi na academia de Carlinhos de Jesus?” A platéia vem abaixo. Na versão dublada, A nova onda do imperador contou com as vozes de Selton Mello (Kuzco), Humberto Martins (Pacha) e Marieta Severo (Yzma). Apenas 30 cópias originais circularão pelos cinemas nacionais trazendo as participações de David Spade como o imperador, John Goodman como o camponês e a cantora Eartha Kitt – que fazia a Mulher Gato no seriado televisivo Batman – como a bruxa. Na gestação do filme se pensou em reunir as vozes de Eartha e Adam West, o velho Batman. Mas o personagem de West, um outro camponês que Yzma encontraria em sua desenfreada busca pelo imperador, acabou caindo fora do roteiro. Este foi apenas um dos problemas da acidentada produção, que vinha sendo preparada há seis anos.
Confusões – Para início de conversa, a história – que teve os nomes de Garoto lhama, Império do sol e Crianças do sol, os dois últimos numa referência ao deus dos incas – nunca agradou ao antigo presidente da Disney, Michael Eisner. Na concepção antiga, o desenho seria um épico sobre o império inca e teria sequências bem mais grandiosas. O personagem principal se chamaria Manco, que vem a ser o fundador da verdadeira cidade de Cuzco, no Peru. Mas pesquisas de marketing revelaram que o título não agradaria aos japoneses por terem tido um império do sol. Para complicar, a palavra “omanco” é um palavrão na língua japonesa. Com a sucessão de mudanças, o filme ganhou novo título, perdeu personagens, mudou de diretor e acabou virando uma comédia. Mesmo a pomposa trilha composta por Sting acabou tendo muitas canções excluídas. Imaginar se o projeto antigo seria melhor é pura especulação. A nova onda do imperador, no entanto, não alcança o brilho dos grandes títulos da Disney. Está longe, por exemplo, da graça de O Rei Leão ou Tarzan. Em compensação tem todos aqueles atrativos para impedir as crianças de debandar das poltronas e ficar brincando de esconde-esconde nas salas de cinema.