20/12/2000 - 10:00
No final dos anos 50, o dramaturgo Plínio Marcos – morto no ano passado – conheceu um jovem militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), como ele nascido em Santos, que havia "cismado em fazer teatro" incentivado por Patrícia Galvão, a Pagu, musa modernista e ex-mulher de Oswald de Andrade. Seu nome: Edemar Cid Ferreira. Ambos se tornariam amigos, ainda que um pouco distantes nos últimos tempos. Coube ao então garoto Edemar a tarefa de datilografar o manuscrito original da peça Barrela, que ajudou Plínio Marcos a se tornar um dos mais revolucionários autores do teatro brasileiro. O esforço foi recompensado com uma participação na primeira e histórica montagem do espetáculo. Edemar, porém, logo desencantou-se com o teatro e a militância política, descobrindo em seguida o tino para os negócios. E prosperou muito.
Há 30 anos, ele fundou uma corretora de seguros. Hoje é presidente e dono do Banco Santos, sólida instituição financeira surgida em 1994 no raiar da estabilidade econômica do País, ponta de uma holding com 450 funcionários que ainda engloba a Santos Seguradora, a Santos Capitalização e a Santos Asset Management, uma gestora de fundos. O banco apresenta um patrimônio líquido de R$ 250 milhões, tem dois mil clientes entre pessoas jurídicas e "grandes pessoas físicas" e administra uma carteira de ativos de R$ 900 milhões. Nos últimos cinco anos ostentou taxas de crescimento acima do mercado. Ainda que conviva com números generosos, aos 57 anos Edemar Cid Ferreira continua sendo um banqueiro atípico, dividido entre números e sua exacerbada paixão pela arte. É daqueles que gastam fins de semanas percorrendo galerias de arte.
Sua rotina equilibra-se em duas atividades. De manhã, bem cedo, está na sede do banco, na avenida Paulista, em São Paulo – decorada com sua vasta coleção de moedas, notas e documentos antigos -, reunindo-se com seis executivos. Toma decisões com a agilidade costumeira e logo após o almoço ruma para o prédio da Pinacoteca, no Parque do Ibirapuera. Como presidente da Associação Brasil + 500 esteve à frente da realização do maior evento cultural do ano, a Mostra do redescobrimento: Brasil + 500, um fascinante inventário da arte nacional, que só em São Paulo reuniu 15 mil obras em três pavilhões e aglutinou um número recorde de 1.883.872 visitantes. A mostra está em menor escala no Rio de Janeiro e promete percorrer uma dezena de capitais brasileiras – um outro segmento foi inaugurado em São Luís do Maranhão no sábado 16 -, além de outras cidades no Exterior. "Um milhão das pessoas que estiveram em São Paulo nunca haviam entrado num museu", orgulha-se Edemar. Ele admite que centenas de crianças foram à mostra seduzidas pelos lanches distribuídos. Mas, ao final da visita, a expressão de cada uma delas era de fascínio. "Minha maior emoção foi quando percorri a exposição com as crianças que vieram em dez ônibus do Jardim Ângela, uma das regiões mais violentas da cidade. Elas ficaram enlouquecidas com o que viram. Marquei um tremendo gol. Naquele momento deixaram de ser excluídas", diz. Na Oca, por exemplo, se arrepiaram diante da exuberante radiografia arqueológica do País e seu recuo de 12 mil anos na história e com a belíssima arte plumária indígena.
O banqueiro foi um cicerone democrático. Se num dia tinha pela frente um exército infantil, em outro pilotava um carrinho elétrico tendo passageiros nobres como o rei Juan Carlos e a rainha Sílvia da Espanha. Seu convívio com a realeza, aliás, se repetiu no início do mês, quando foi recebido pela rainha Elizabeth II, da Inglaterra, num gesto de cortesia que precede a realização de um braço da mostra em Londres. Batizada de Unknown Amazon (Amazônia desconhecida), o vernissage está marcado para 21 de outubro de 2001, na recém-inaugurada ala do British Museum, a Great Court. A exposição quer colocar a questão ambiental brasileira em discussão, reconstituindo detalhes da fauna e flora brasileiras, desde a pré-história até problemas mais atuais como os sistemas de proteção à Amazônia. Durante o encontro, a rainha ficou especialmente interessada na doação de bromélias e orquídeas tupiniquins que a Associação Brasil + 500 fará para o Kew Garden, o jardim botânico da família real.
Chagal – Mas Edemar não foi à Europa apenas para falar de flores. Fechou o acordo de um evento enorme, feito em parceria com o Centre Georges Pompidou, de Paris, marcado para dia 2 de outubro de 2001, na Oca. Será uma retrospectiva artística do século XX, com cada ano representado por uma obra importante. Ele avisa que virão preciosidades da lavra de Marcel Duchamp e Marc Chagal, entre muitas outras. Em contrapartida, módulos da mostra Brasil + 500 se espalharão pelo mundo no ano que vem. O Guggenheim Museum de Nova York – grife que Edemar está empenhado em trazer ao País – é um dos museus que abrigarão o evento em 21 de setembro. "A cultura é uma atividade vanguardista. Vamos colocar o Brasil na ordem do dia, sem aquela imagem de violência que se tem daqui. O País vai ser inserido no mundo global, vai ser entendido de maneira diferenciada."
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Em visita ao módulo Arte barroca: lanches gratuitos e presença de um público que nunca havia entrado num museu |
Dos 400 curadores estrangeiros que participaram da mostra, 300 nunca haviam descido a linha do Equador. "A cultura é o caminho para quebrar fronteiras, atrás vem o resto", acredita. "Existem 120 indústrias suecas no Brasil, e nas matrizes pouco se sabe sobre nós. Eles precisam participar da sociedade onde ganham dinheiro." Desde 1993, quando assumiu a presidência da Fundação Bienal, Edemar exibiu em letras garrafais o nome dos patrocinadores, criando uma compensação sedutora, como quando uniu na Mostra Brasil + 500 a marca do Bradesco à carta de Pero Vaz de Caminha. No momento, atrela o nome da Globo.com à mostra 50 anos de tv e +, que reúne imagens das cinco décadas da televisão brasileira, num show de tecnologia. Desta forma, a Associação Brasil + 500 mira-se em exemplos vitoriosos como da Biblioteca de Nova York, que funciona como uma empresa privada, sustenta-se com doações mas não tem fins lucrativos.
Obstinação – O vice-presidente da associação, o editor Pedro Paulo de Sena Madureira, é um dos que reservam elogios a Edemar. "Só vi tamanha obstinação e capacidade de transformar idéias em projetos e projetos em realidade quando trabalhei com Carlos Lacerda na editora Nova Fronteira", elogia Sena Madureira. Edemar tem prazer na produção múltipla e considera o stress positivo se for resultado de um trabalho que deu certo. A mulher, Márcia, 49 anos, com quem está casado há 24, tem suas dúvidas. "Às vezes ele passa do limite e acaba dormindo pouco. Mas tem muita disciplina e faz o tempo render. Quando está no banco, só quer saber do banco, quando está na associação se concentra na associação", conta.
Nascida em São Luís do Maranhão e formada em engenharia civil, Márcia não se assusta com a repentina e agitada vida social do casal, normalmente caseiro. Bem-humorada e calma, é uma espécie de contraponto à agitação do marido. "Sou o outro lado da balança", confessa ela, que tem dois filhos com o banqueiro. Eduardo, 20 anos, faz ciências biológicas, é mergulhador profissional e deverá completar os estudos na Austrália. Leonardo, 19, estuda administração de empresas em Boston, Estados Unidos. Rodrigo, 30, filho do primeiro casamento de Edemar, depois de ter estudado na Europa e nos Estados Unidos, hoje cuida das operações do Banco Santos e da Santos Seguradora. Edemar, aliás, é o único latino-americano dono de banco, sem sócios. Ao lado dos filhos, em casa Edemar gosta de relaxar fumando charutos cubanos. Também curte bons vinhos e sua coleção de arte, que inclui obras de Portinari e Di Cavalcanti, entre outros. Quando pode, à noite exercita-se com um personal training para manter-se em relativa forma. É sua perspectiva de manter o ritmo sempre acelerado.