A história recente do Brasil mostra que para se chegar à Presidência da República é preciso contar com uma boa dose de sorte. Foi assim com os ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco e também com o presidente Fernando Henrique, que poucos meses antes das eleições de 1994 apresentava míseros 2% das intenções de voto. Pré-candidato do PMDB à sucessão de FHC, o senador Pedro Simon (RS) não pode se queixar da sorte. Ela até já bateu à sua porta. O ano era 1988: Simon cumpria seu mandato de governador pelo Rio Grande do Sul quando soube que seu correligionário governador de Alagoas, Fernando Collor, desembarcou em terras gaúchas para uma conversa. Desconfiado, Simon tentou evitar o encontro e escapou para o refúgio em sua casa de veraneio na praia Rainha do Mar. Collor não desistiu, foi atrás do colega governador e fez um convite inusitado. Estava fundando um novo partido pelo qual disputaria a Presidência da República e queria Simon como vice. O governador gaúcho desconversou e comentou com aliados e assessores que Collor estava doido. Quatro anos depois, o senador Pedro Simon virou líder do governo Itamar Franco, que havia levado a sério a conversa do doido.

A situação agora é bem diferente. Quando o PMDB do Rio Grande do Sul lançou no ano passado a pré-candidatura de Simon a presidente, não faltou quem debochasse da novidade. Um ano e três meses depois de percorrer o País em campanha, Simon conseguiu provar que sua candidatura é para valer. Ao lado de toda a cúpula do PMDB, no dia 15 de novembro ele desembarcou em Joinville e discursou para três mil militantes peemedebistas como se já estivesse numa aguerrida disputa eleitoral, com direito a avião fretado pelo partido e tudo o mais. A própria direção do PMDB, antes reticente, encampou o apoio ao candidato. “Apresentar uma candidatura para depois tirar em troca de um ministério a mais seria uma desmoralização, uma humilhação. Essa é uma jogada séria e acredito nela”, diz o candidato. Simon agora participa de algumas das reuniões mais reservadas do grupo composto por Jader Barbalho (PA), Geddel Vieira Lima (BA), Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL) e o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha (RS), nas quais os peemedebistas traçam as estratégias partidárias. Sua pré-candidatura é avaliada no Palácio do Planalto como oposicionista, apesar de o partido integrar a aliança governista. Político de centro-esquerda, Simon também embaralhou a oposição. Seu nome fortalece a tese da candidatura própria no PMDB e praticamente afasta a hipótese de o maior partido do País apoiar outro oposicionista. Simon tem palanques agendados até o final de 2001.

Nesses tempos de escândalos pipocando quase diariamente, Pedro Simon aposta em sua pregação ética para cair no gosto do eleitorado. Nos comícios tem o mesmo desempenho teatral que eletriza o plenário do Senado e as salas de reunião das mais variadas CPIs. “Esse meu jeito de falar vem desde a época em que, como advogado, nos tribunais tentava comover os jurados.” Esse estilo dramático ganhou a fama de demolidor de ministros. Com dois discursos certeiros mandou para casa o ex-ministro das Comunicações Mendonça de Barros e o do Desenvolvimento Clóvis Carvalho. “Eu, se fosse V. Exa., renunciava. Se eu fosse V. Exa., praticava um gesto de grandeza: ajudava o presidente da República”, exortou Simon. Foi o suficiente para Mendonça jogar a toalha e pedir demissão.

Simon exerce seu mandato com independência e faz fortes críticas ao presidente Fernando Henrique, que, segundo ele, não age com firmeza no comando do governo. “Se amanhã eu for presidente da República, não haverá ministros do senador Antônio Carlos Magalhães nem de outros caciques. O problema hoje é que Fernando Henrique parece ter um medo reverencial de ACM”, alfineta. Além da submissão a aliados, Simon considera que FHC tem uma postura incorreta no trato dos casos de corrupção no governo: “Acho que o presidente não rouba e não deixa roubar, mas mesmo assim roubam e, quando descoberto o roubo, ele não faz muita coisa para apurar.” Tem ainda discordâncias ideológicas com Fernando Henrique por seguir a cartilha liberal e dar prioridade às questões econômicas em detrimento do social. Desde o começo de sua carreira política no final dos anos 50, Simon se identifica com a pregação do pensador Alberto Pasqualini, defensor de uma terceira via mais humanista e solidária à bipolarização em plena Guerra Fria.

Líder – Com essa formação doutrinária, Pedro Simon conseguiu escapar às punições da ditadura militar e se tornou um dos principais líderes da resistência democrática no País. Articulado e bom organizador partidário, transformou a seção gaúcha do antigo MDB num modelo que o deputado Ulysses Guimarães difundiu. “Esse turco ainda vai ser governador do Rio Grande do Sul”, reconheceu o general-presidente Ernesto Geisel, impressionado com a atuação do adversário, na época deputado estadual. Nessa época, Simon ainda tinha como guru o ex-governador Leonel Brizola. Anos depois, acompanhou Brizola no vôo de volta do exílio. Durante a viagem de Nova York ao Rio Grande do Sul, tentou convencer o ex-governador a disputar pelo PMDB o governo gaúcho. Não teve êxito. Brizola preferiu fundar seu próprio partido, o PDT, e concorrer ao governo do Rio de Janeiro. Afastaram-se. Simon seguiu com o PMDB de Ulysses e de Tancredo, que chegou ao poder em 1985 e promoveu a redemocratização do País. Em 1986, elegeu-se governador do Rio Grande do Sul. Fez uma gestão marcada pela austeridade, que lhe custou a perda de popularidade. Mas, em 1990, conseguiu eleger-se senador e se reeleger oito anos depois.

Em sua longa carreira política, o “turco” sempre se guiou pelos ensinamentos de Pasqualini. Mas há um ano ingressou na Ordem Terceira de São Francisco. Tornou-se franciscano, mudou hábitos, deixou de pintar o cabelo e usar perfumes. Não fez voto de pobreza. Na mesa de trabalho, uma imagem do santo reforça a devoção de Simon. Em julho, ao lado de sua mulher, Ivete, e mais 500 peregrinos, o senador fez, durante uma semana, caminhada franciscana de 136 quilômetros, de Fortaleza a Canindé. Dormiu ao relento, alimentando-se de pão, água e leite. Perdeu três quilos e torceu o pé, o que o obrigou a usar um cajado em boa parte da viagem. Voltou entusiasmado com a generosidade da gente pobre que encontrou pelo caminho. “O povo brasileiro é um baita povo. Vá para o inferno essa tese de que a corrupção no Brasil é endêmica. Tenho restrições a todo tipo de elite, cada uma defendendo sua corporação, suas vantagenzinhas”, compara.

Memórias – A receptividade de nordestinos acostumados aos mais variados sofrimentos impressionou o senador e o fez recordar momentos difíceis em sua vida. Filho de um casal árabe, Simon nasceu em janeiro de 1930, em Caxias do Sul. A mãe morreu 11 meses depois do parto. Pedro Simon nasceu uma criança tão frágil que chegou a ser desenganado pelos médicos. Foi criado pelo pai, um comerciante de tecidos, três irmãs mais velhas e duas tias. Sua primeira infância foi marcada pela saúde abalada. Chegou a ser batizado com uma vela na mão, in extremis. Para curá-lo, a família tentou de tudo, sem sucesso. Até que um certo dia seu pai foi apresentado a um curandeiro que receitou um caldo de pomba. Mesmo incrédulo, os Simons seguiram a recomendação. E foi exatamente o caldo da pomba que curou o menino. “Ele foi um guri muito mimado por todos nós. Desde pequenininho, já gostava de discursar nas festas, nos aniversários e sempre foi muito atencioso com toda a família”, conta a irmã Salem Simon. Muitos anos depois, em outubro de 1984, outra tragédia familiar abalou Simon: perdeu a mulher, Tânia, e Mateus, o filho caçula, num acidente de carro.

Muito apegado à família, Simon demorou a se recuperar do choque. Em Porto Alegre, morava no mesmo prédio em que vivem suas irmãs. Ele só saiu de perto do clã dez anos depois do acidente em que morreu Mateus. Foi quando nasceu Pedrinho, fruto de seu casamento com Ivete, 30 anos mais nova. Pedrinho mexeu com a vida do senador, que mudou para Brasília para conviver mais com o filho e a mulher. Ele diz que o garoto é seu xodó. Quando fala de Pedrinho, hoje com seis anos, os olhos de Simon brilham. “Com ele tenho os melhores momentos da minha vida. Agora está me ensinando a andar de bicicleta, a nadar e a mexer no computador”, derrama-se. É com essa empolgação aos 71 anos que Simon está entrando na corrida que tem como ponto de chegada o Palácio do Planalto.