26/12/2000 - 10:00
Dez dias de música, cerveja e – talvez – lama. Não existe festival de rock que se preze sem chuva e lama, como constatou cerca de um milhão de pessoas que foram ao primeiro Rock in Rio, em 1985, uma data inesquecível para todas elas. Naquele ano, o comerciante Humberto Soares Filho tinha 26 anos. Com todo gás, ele não perdeu nenhum dos shows. Quando os espetáculos acabavam de madrugada, nada de voltar para casa, na Vila da Penha, zona norte da cidade. Passava as noites no acampamento montado num terreno em frente à Cidade do Rock. Perdeu a namorada e não teve nem tempo de se lamentar. Após os concertos, a turma do camping improvisado fazia baladas animadíssimas e, segundo ele, dava para arrumar uma garota por dia. Há dois anos, Soares Filho ficou paraplégico depois de reagir a um assalto. Hoje, mesmo atrelado a uma cadeira de rodas, garante que não irá perder a festa roqueira. Já garantiu os ingressos para as noites do grupo inglês Iron Maiden e do americano Red Hot Chili Peppers, duas das grandes bandas da terceira e mais ambiciosa edição do Rock in Rio. A maratona musical começa na sexta-feira 12 e promete reeditar a mística da primeira vez, em parte devido ao local onde será realizada, o mesmo terreno de Jacarepaguá, na zona oeste carioca. “Até hoje fico arrepiado com as lembranças de Fred Mercury e James Taylor. Sentávamos na lama, tomávamos banho num chafariz no meio do gramado. A gente se sentia em Woodstock”, recorda Soares Filho, que enviou uma mensagem eletrônica à produção do evento solicitando uma estrutura especial para ele e outros amigos deficientes.
Retrato de época – Até a semana passada, mais de 300 mil pessoas já haviam comprado ingressos. A previsão do empresário Roberto Medina, idealizador e responsável pela realização do festival, é a de que 1,7 milhão de pessoas circulem pela área de 250 mil metros quadrados nos sete dias de música e agito. Quando terminar, a estrutura não será desmontada. De acordo com Medina, a idéia é fazer um Rock in Rio a cada dois anos. O que não deixa de ser uma radiografia de época, mostrando quem é quem no olimpo pop-rock – dos artistas instantâneos aos mais duradouros, que vieram para ficar. Em 1985, por exemplo, o público se esbaldou com Queen, Yes, Whitesnake e James Taylor enquanto via nascer bandas como Os Paralamas do Sucesso, que por sinal não estará no Rock in Rio 3. Muda também a maneira de se sintonizar. Há 16 anos, quem não estava lá, ao vivo, só podia curtir alguns flashes pela televisão. Agora, os caseiros poderão acompanhar as performances de N’ Sync, Foofighters ou Pato Fu em tempo real pelo site oficial www.rockinrio.com.br.
Transmissões de espetáculos pela internet, aliás, vêm se tornando uma tendência, mas nem por isso devem afastar o público dos mega eventos. “O legal é estar ali. O show virtual nunca substituirá o real”, acredita Medina. Na televisão, a Directv vai transmitir tudo ao vivo. Quase tudo, já que vão ser três palcos com concertos simultâneos. Ao todo, serão 139 atrações, representantes de todos os estilos musicais. Todos mesmo, da erudição da Orquestra Sinfônica Brasileira, que abre a primeira noite, ao som peso pesado do Sepultura. Do pop comportado de Sandy e Junior às experimentações eletrônicas do DJ Memê, passando pelo som de raízes de gente como Dedé Saint-Prix, da Martinica. Tal ecletismo faz com que muitos torçam o nariz. O estatístico Perez Beneques, que também suspira de saudades do primeiro festival, não é muito fã da atual seleção. Mesmo assim, irá à Cidade do Rock. “Ver pela televisão não tem o menor astral e emoção”, diz. Beneques tinha 16 anos na época e foi a três dias do festival com um grupo de amigos. A emoção foi tamanha que ele começou a colecionar tudo o que dizia respeito ao evento. Tem duas pastas com revistas, ingressos originais, buttons, viseira e camisas. Na sexta-feira 19, irá com a mulher ver Iron Maiden.
Assim como o Free Jazz Festival, que foi se distanciando cada vez mais da proposta do jazz, o Rock in Rio 3 também aposta no eclético. Além do Palco Mundo, onde se apresentarão as grandes estrelas, três tendas realizarão shows nos intervalos. A Tenda Raízes quer mostrar um panorama com artistas de várias partes do mundo, privilegiando sons regionais. Há desde o respeitado maestro Ray Lema, do Zaire, que, com seu grupo, faz uma interessante fusão da música africana, sobretudo do Marrocos e de Camarões, ao caboverdiano Teófilo Chantre, compositor predileto de Cesária Évora. A Tenda Brasil mostrará cantores e bandas nacionais em apresentações mais intimistas, como as de Arnaldo Antunes e Nando Reis. E a Tenda Rock in Rio Eletro pretende atrair o povo chegado no bate-estaca promovido pelos DJs. O Rock in Rio 3, que vem com o subtítulo Por um mundo melhor, batizou uma quarta tenda com o mesmo nome, onde vão rolar discussões com sociólogos antes do início dos concertos. Para dar um sentido social ao evento, Medina prometeu destinar a projetos educacionais 5% do valor líquido de todo o faturamento da venda de ingressos, patrocínio e licenciamento – calcula-se que o festival renderá perto de R$ 240 milhões. Até agora, já estão sendo beneficiados cerca de 2,5 mil jovens, mas a intenção é chegar a mais de dez mil.
Vendagem – O empresário, salvo algumas exceções, selecionou suas atrações baseado em números de vendagem de discos no Brasil. São elas que ocuparão o Palco Mundo, um gigante de quatro mil metros quadrados e 80 metros de altura, que receberá 45 shows, contando estrangeiros e brasileiros. O cast tupiniquim ficou desfalcado no início de novembro. O Rappa, Raimundos, Jota Quest, Charlie Brown Jr, Skank e Cidade Negra deixaram o festival descontentes com o tratamento da produção. Não queriam abrir os espetáculos tocando sob o sol. Mesmo com a debandada, o Brasil será bem representado por Moraes Moreira e seu Trio Elétrico, Sandra de Sá, Elba Ramalho e Zé Ramalho e Mestre Ambrósio, entre outros.
Alguns artistas estão de volta ao evento, como o líder do Barão Vermelho, Roberto Frejat, que em 1985 tocou com Cazuza à frente do grupo numa apresentação histórica. “Foi a primeira vez que o Brasil entrou no mercado do show biz internacional”, lembra o vocalista e guitarrista que, neste ano, destaca o dinossauro Neil Young. “Tenho todos os discos dele, até os que não gravou”, brinca. “Vou estar no gramado, no meio de todo mundo.” Frejat e mais várias centenas de dinossauros anônimos.
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