10/01/2001 - 10:00
No primeiro dia útil do novo milênio, a maior potência econômica da Terra sofreu seguidos baques. Enquanto era divulgada forte queda da atividade industrial americana, o dólar caía frente ao euro e o índice Nasdaq despencava com queda de 7%. Como se não bastasse, naquele mesmo 2 de janeiro, o bilionário financista internacional George Soros disse ao jornal chileno El Mercurio que os Estados Unidos estavam à beira de uma recessão capaz de provocar uma nova e prolongada crise financeira global. No dia seguinte, a euforia: Alan Greenspan, presidente do Banco Central dos EUA, presenteou o presidente eleito George W. Bush com uma redução de 0,5% na taxa de juros. A Nasdaq teve uma alta de 14%, a maior de sua história. Ao menos num primeiro momento, o novo governo poderá respirar um clima de otimismo. Mas vai durar?
O respeitado economista americano Paul Krugman não se cansou de repetir que os cortes de impostos defendidos por Bush durante sua campanha – proposta de apelo popular, apesar de beneficiar quase que só os mais ricos – são um equívoco: pressupõem a continuação da prosperidade sem interrupção e ignoram o crescimento a longo prazo das despesas previdenciárias, devido à expansão da população idosa e aos reajustes anuais das pensões.
Para Krugman, o aumento de gastos com previdência social e saúde deve absorver 60% do superávit orçamentário, estimado pela equipe de Bush em US$ 4,6 trilhões nesta década. Seria prudente, na sua opinião, não fazer muitos planos para os outros 40%. Caso venha uma recessão, podem simplesmente desaparecer.
Mas os planos estão aí: Bush prometeu implantar a cobertura de medicamentos a usuários do sistema público de saúde, substituir as contribuições para o fundo de previdência estatal pela formação de poupança pessoal e tocar o programa Guerra nas Estrelas – projeto dispendioso que visa destruir satélites e mísseis intercontinentais em pleno vôo com armas instaladas no espaço. O orçamento de Bush só fecha se a lei de Murphy for abolida – se nada der errado.
Tudo pelos lucros – Para felicidade de Bush, poucos eleitores conferiram suas contas. Mas a proposta de cortar receitas e aumentar despesas não foi muito bem recebida nos meios acadêmicos e financeiros. A desconfiança foi reforçada pela nomeação para o Tesouro de Paul O’Neill, ex-presidente da Alcoa, e para o departamento do Comércio de Donald Evans, ex-tesoureiro da campanha. Suas carreiras sugerem que tenderão a favorecer interesses empresariais, mesmo a custo de arriscar a estabilidade econômica mundial, reduzindo o apoio dos EUA a países “emergentes” em crise financeira, multiplicar conflitos comerciais, forçando a abertura de mercados (Europa e Brasil incluídos) aos produtos americanos, e ameaçar o meio ambiente global, resistindo à ratificação do protocolo de Quioto. Este obrigaria os EUA, junto com todos os países industrializados, a reduzir emissões dos gases causadores do efeito estufa para conter o aquecimento do planeta, o que empresários do petróleo – como Evans e a própria família Bush – vêem como ameaça a seus interesses.
Reuters |
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Soros acredita que o pior está por vir |
Naturalmente, o programa de Bush foi floreado pelas necessidades eleitorais da campanha. Seu verdadeiro caráter se expressa melhor no pensamento de seu principal assessor e porta-voz na área de economia, o economista Lawrence Lindsey, ex-diretor regional do Banco Central. Numa palestra em 1997, com a era Clinton entrando em seu auge econômico, comparou o presidente democrata a Nero, por “tocar harpa” (colocar em discussão restrições às vendas de armas e aos cigarros) enquanto “Roma queimava” (as empresas sofriam com excesso de regulamentação e falta de estímulo). Bem antes de existir superávit a distribuir ou recessão a combater, já defendia cortar impostos para subsidiar o investimento privado e não desperdiçar nenhuma possibilidade de crescimento econômico – mas propondo explicitamente reduzir o reajuste dos benefícios previdenciários e afrouxar a regulamentação ambiental.
Altos e baixos – Já o primeiro (e prematuro) anúncio da vitória de Bush havia puxado para cima as ações de indústrias farmacêuticas, petrolíferas e de cigarros e também de empresas em apuros com leis antitruste, como a Microsoft. As corporações teriam ainda mais liberdade de ação e mais lucros: nada de controles de preços de medicamentos nem de reforço da fiscalização de alimentos e remédios; menos regulamentação ambiental e, em particular, permissão para pesquisar e extrair petróleo em áreas públicas hoje protegidas; haveria menos pressão para restringir a propaganda e o consumo de cigarros e rédeas soltas para fusões e monopólios.
Subiram ações da indústria armamentista e aeroespacial, contando com o aumento dos gastos militares. Por outro lado, diminuiu o entusiasmo por energia alternativa, telecomunicações e informática, setores que ganhariam com uma política ambiental menos frouxa, e caíram os títulos de renda fixa, receando os efeitos do aumento do déficit público sobre a política do Banco Central.
A recente ação de Greenspan contrariou esses temores, mas talvez só no curto prazo: a redução dos rendimentos dos títulos do Tesouro tende a reforçar a queda da demanda por dólar e de sua cotação no mercado internacional. Isso não é ruim para países com moedas vinculadas ao dólar – Brasil incluído –, pois facilita as exportações para a zona do euro. Mas tende a elevar os preços no mercado interno dos EUA, o que, junto com o aumento de demanda resultante do corte de impostos, pode trazer pressões inflacionárias, que eventualmente obrigariam o Fed a voltar a agir na direção contrária, mesmo ao preço de novamente esfriar a economia.