O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), estava preparado na terça-feira 23 para travar um duelo verbal com o governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Ele havia sido informado de que Itamar aproveitaria a visita ao gabinete da presidência do partido para censurá-lo por ter aceitado o convite para integrar a comitiva do presidente Fernando Henrique Cardoso na viagem a Europa. Um sorridente Itamar logo desarmou Temer ao começar a conversa pregando a unidade partidária. Em companhia do senador Pedro Simon (RS), o governador foi ao Congresso registrar sua candidatura às prévias do partido, marcadas para o dia 20 de janeiro, e exibir o bom humor de quem entra no páreo como franco favorito. O presidente Fernando Henrique sentiu o golpe.

Um mês depois de montar uma operação de guerra para evitar que Itamar saísse ungido candidato presidencial da convenção do PMDB, o Palácio do Planalto mudou o discurso e tenta transformar o limão em limonada. A vários interlocutores, FHC tem dito que Itamar será mesmo candidato e isso será bom para o candidato governista porque dividirá as oposições. Não é bem assim. Com o apoio da maioria do partido, uma confortável situação eleitoral em Minas e bastante tempo para fazer propaganda no rádio e na tevê, Itamar vai à luta com a expectativa de superar o candidato palaciano e disputar o segundo turno com o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Para tentar barrar o avanço de Itamar, o Planalto está articulando uma dissidência no PMDB sob o comando do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, e do líder do partido na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima (BA). Horas depois da visita de Itamar ao Congresso, onde também teve uma conversa a sós com o presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), Fernando Henrique conseguiu evitar a precipitação do desembarque do PMDB do governo. Teve que adiar a saída do ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, que já estava de malas prontas após ter o nome de funcionários de sua pasta envolvidos em denúncias de envio de dólares para o Exterior. Além de retardar a saída de Padilha, FHC nomeou o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) para o Ministério da Integração Nacional, desagradando os tucanos e sem conseguir nenhuma empolgação por parte do PMDB. “A candidatura própria é fato consumado. Sou contra a indicação de novos ministros”, reagiu Michel Temer. Apesar da evidente má vontade geral, Suassuna engoliu o constrangimento, aceitou o convite e tratou logo de mostrar serviço, arquivando as investigações sobre o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira. “Isso é o que se chama pagamento à vista”, ironizou o deputado Aloísio Mercadante (PT-SP).

Ao mesmo tempo em que tentam rachar o PMDB, os articuladores palacianos enfrentam dificuldades em conter a brigalhada no tucanato. Candidato preferido de Fernando Henrique, o ministro da Saúde, José Serra, foi surpreendido com a ofensiva do governador do Ceará, Tasso Jereissati, também do PSDB. Com a anunciada debandada do PMDB, o PFL reconquista a condição de parceiro preferencial exibida nas duas últimas eleições presidenciais e aumenta o cacife de Jereissati. Embalado pelo apoio de alguns caciques tucanos e pela família do ex-governador Mário Covas, o governador cearense pousou no ninho de Serra. Na segunda-feira 22, Tasso foi recebido, em São Paulo, com faixas em favor de sua candidatura espalhadas por todos os cantos na rua do Instituto de Engenharia, no bairro do Ibirapuera. “Ele será o futuro presidente do Brasil”, gritava ao microfone o humorista Tom Cavalcante.

Em família – Acompanhado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, Tasso foi calorosamente recebido por Renata Covas, filha do ex-governador e anfitriã da festa. Aproveitou para defender uma maior intervenção do Estado na economia numa tentativa de se diferenciar da desgastada política econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan.

 

A festa para Tasso irritou Fernando Henrique, que não o quer como candidato governista na sucessão presidencial. Mesmo sem emplacar, o governador pode atrapalhar o projeto de Serra e forçar os governistas a escolher um outro candidato. Por isso, Serra também sentiu a investida de Tasso. Seu plano original de ficar fora do tiroteio político até abril do ano que vem, só cuidando da Saúde, está sendo revisto. Além de começar a se movimentar mais nos bastidores para não perder terreno, pretende fazer pronunciamentos que também o diferenciem da turma de Malan. Ele se escalou para falar no seminário “O Brasil e a Alca”, na Câmara dos Deputados, e aproveitou para defender uma postura brasileira menos alinhada aos Estados Unidos do que a adotada pela atual equipe econômica. FHC também resolveu entrar em cena.

Ataques – Na quarta-feira 24, numa entrevista à rádio CBN, Fernando Henrique provocou os adversários: “Vou torcer para que a oposição amadureça. Até agora, eu a vejo como barata tonta. Diz uma coisa hoje, desdiz amanhã.” A provocação foi aceita e os presidenciáveis de oposição deram o troco. “Quem governa como barata tonta é o governo, vítima de sua própria incompetência”, disparou Luiz Inácio Lula da Silva. “O presidente está totalmente perdido no universo. É difícil imaginar em que galáxia está”, ironizou Itamar. Por enquanto essas escaramuças são apenas cortina de fumaça. A corrida presidencial para valer vai começar depois que o PMDB definir seu jogo em janeiro do ano que vem.

Colaborou Ines Garçoni

Porteira fechada

A. M.

Na manhã da quinta-feira 25, o Conselho de Ética do Senado resolveu arquivar o processo contra o senador Luiz Otávio Oliveira Campos (PPB-PA), apesar de ele ser réu confesso do desvio de US$ 13 milhões de um financiamento do BNDES. A denúncia do desfalque foi publicada por ISTOÉ em fevereiro de 2000. A alegação da maioria dos conselheiros para votar contra o parecer da senadora Heloísa Helena (PT-AL) foi de que a fraude ocorreu antes de Luiz Otávio assumir o mandato no Senado. Além de fechar a porta para crimes cometidos no passado, a decisão do Conselho atendeu a ala governista do PMDB, que será reforçada com a posse no Senado de Fernando Ribeiro, segundo suplente de Jader Barbalho e também envolvido no escândalo do Banpará. “Se for pensar em punir ilícitos passados, vamos ter centenas de processos no Congresso”, abriu o jogo o senador Carlos Patrocínio (PTB-TO). “Ninguém contestou as provas de que Luiz Otávio roubou. É inacreditável, mas prevaleceu a tese de que basta conseguir um mandato para o crime desaparecer”, lamentou Heloísa Helena.

Com um discreto apoio do Palácio do Planalto, a base governista salvou o pescoço de Luiz Otávio e, por extensão, de Fernando Ribeiro. São mais dois votos certos da bancada fiel ao Planalto no Senado. Como a maioria peemedebista está desembarcando do governo, a operação beneficia também a dissidência do partido que está sendo articulada para ajudar o candidato governista na sucessão presidencial. Ribeiro será no Senado o porta-voz de Jader Barbalho. Outros senadores acusados de falcatruas no passado podem respirar aliviados. “Essa votação abriu um precedente perigoso”, constatou o senador Jefferson Peres (PDT-AM).