31/10/2001 - 10:00
Depois do pânico gerado pelos ataques com o bacilo do antraz, o mundo começa a se preocupar – e a se preparar – com a possibilidade de uma disseminação criminosa do vírus causador da varíola, doença altamente transmissível que pode matar até cerca de 30% dos infectados. Felizmente, o mal está erradicado do planeta desde o final da década de 70 (o último caso registrado ocorreu em 1977, na África). Restaram apenas algumas amostras do vírus guardadas por dois laboratórios governamentais: um dos Estados Unidos – o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) – e outro da Rússia, localizado na Sibéria. E o medo é de que, a exemplo do antraz, cepas do microorganismo tenham caído nas mãos de terroristas. Embora os especialistas considerem remota a probabilidade de um ataque com o Pox virus (nome científico do microorganismo que provoca a varíola) por se tratar de um agente de efeito muito devastador e cuja manipulação exige tecnologia sofisticada, medidas de precaução começaram a ser adotadas. Na semana passada, o governo dos Estados Unidos iniciou a corrida para a produção de vacinas contra a enfermidade. Oito companhias farmacêuticas foram consultadas para saber se conseguem fabricar cerca de 250 milhões de doses de vacinas em um ano. O governo quer que essa produção comece o mais rápido possível.
Hoje, existe apenas um único estoque de vacina contra o vírus – há 15 milhões de doses guardadas no CDC americano. Mas quatro centros de pesquisa dos Estados Unidos estão avaliando a possibilidade de diluí-las e, desse modo, aumentar o atual estoque para 75 milhões de doses. Elas seriam reservadas para emergências. “Os americanos planejam usá-las para imunizar a população de locais onde surgirem casos”, afirma o infectologista Guido Levi, da Clínica de Imunizações Cedip, em São Paulo, e ex-diretor do Hospital Emílio Ribas, na capital paulista.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) também se prepara. Anunciou que discutirá procedimentos de emergência em caso de ataque e revisará as atuais normas de vacinação contra a varíola. Hoje, a entidade preconiza apenas a imunização de pesquisadores dos laboratórios que lidam com o vírus. Seus especialistas avaliarão a possibilidade de estender a recomendação de vacinação a mais profissionais de saúde. No entanto, sabe-se que alguns exércitos, entre eles o brasileiro, também estão imunes. O general Carlos Eduardo Jansen, que comandou recentemente a Brigada de Infantaria de Tefé, no interior da Amazônia, disse a ISTOÉ que soldados, sargentos e oficiais transferidos para aquela região são vacinados contra febre amarela, tifo, hepatite e varíola.
A preocupação com a varíola é justificada. Ao contrário do bacilo causador do antraz, que não passa de pessoa para pessoa, o vírus da varíola se espalha pelo ar e também pode ser transmitido pelo contato com secreções como espirro e saliva. “As estatísticas sugerem que cada portador do vírus possa contaminar outras dez ou 12 pessoas não vacinadas”, esclarece o infectologista Artur Timerman, do Hospital de Heliópolis, em São Paulo. Em geral, entre dois e quatro dias após a contaminação há tosse, coriza, febre e dores no corpo. Depois aparecem as feridas na pele, principal característica da varíola. Essas lesões se espalham rápido sobre o corpo, coçam e inflamam. “A doença diminui a resistência e abre caminho para outras infecções”, explica o infectologista mineiro José Geraldo Ribeiro, da Secretaria de Saúde de Minas Gerais.
Não há um remédio específico contra a varíola, até porque a doença foi extinta. Em testes, apenas um antiviral, o citofovir, mostrou algum efeito contra a enfermidade, mas o remédio pode apresentar graves efeitos colaterais nos rins. O sofrimento causado pela doença pode ser amenizado com analgésicos e antibióticos. No caso de um ataque, as perspectivas são assustadoras. A forma mais violenta da doença mata entre duas e três pessoas em cada dez doentes. E não há certeza sobre o grau de imunidade das pessoas já vacinadas. Isso porque se acredita que a vacina tenha validade por 20 a 25 anos. Ou seja, como as campanhas terminaram no início da década de 80, mesmo quem tomou a vacina pode estar com a imunidade fragilizada ou simplesmente inexistente. “O ideal seria que todos recebessem um reforço da vacina. A proteção seria imediata”, sustenta Timerman.
No Brasil, o Ministério da Saúde consultou a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, e o Instituto Butantan, em São
Paulo, sobre a capacidade desses laboratórios de produzir as
vacinas. “É possível fabricá-la, mas teríamos de remontar a
estrutura e ter amostras do vírus”, diz Isaías Raw, presidente do Instituto Butantan.
Colaborou Hélio Contreiras, Rio
Epidemias devastadoras |
Na história do mundo, alguns microorganismos dizimaram grandes populações. Há casos em que mataram mais pessoas do que a Primeira Guerra Mundial, que contabilizou 14,5 milhões de mortes. |
Cólera A forma grave do mal, causado pelo Vibrio cholerae, provoca forte diarréia e leva à morte por desidratação aguda. As primeiras descrições da bactéria foram feitas antes de Cristo. Em 1832, houve um surto devastador na França. Até o final do século XIX, cerca de 40 milhões de pessoas morreram de cólera em todo o planeta. |
Peste negra A doença é provocada pela bactéria Yersinia pestis, transmitida pela picada da pulga do rato. Ela aniquilou um quarto da população européia (aproximadamente 25 milhões de pessoas) no século XIV. A forma manifestada na Idade Média foi a bubônica septicêmica, que causa infecção generalizada e hemorragia na pele e nos órgãos internos. |
Gripe espanhola O vírus Influenza é responsável pela gripe. Em 1918, uma cepa terrível assombrou primeiramente a Espanha (daí o nome da epidemia). Em seguida, alastrou-se. Naquele ano, não havia antibióticos capazes de enfrentar as principais complicações (como as pulmonares). Morreram 21 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, em apenas dois meses ocorreram 20 mil mortes. Uma das vítimas fatais foi o presidente Rodrigues Alves, em 1919. Reeleito, não chegou a tomar posse. |
Tifo Nome de um grupo de doenças provocadas pela bactéria Rickettsia. É transmitida principalmente por piolhos e provoca febre alta e sangramento, entre outras reações. Responsável por diversas epidemias no decorrer da história, matou três milhões de europeus entre 1915 e 1922. Na Segunda Guerra Mundial, o tifo foi uma das causas de morte nos campos de concentração. |