17/01/2001 - 10:00
Entre as andanças do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, em salas sem grades e celas especiais e a chance da fraudadora do INSS, Jorgina de Freitas, de trocar o cárcere por serviços comunitários, o Brasil assiste aos privilégios concedidos a uma minoria de criminosos. Enquanto a maioria está amontoada em celas infectas, um seleto grupo tem direito à chamada prisão especial. Com quase 90 mil pessoas encarceradas, São Paulo tem apenas 28 desses presos “especiais”. Dos 219 mil detentos do País, estima-se que os privilegiados não cheguem a uma centena. Lalau e Jorgina estão em prisão especial. No caso do ex-juiz, pode-se dizer, especialíssima. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu-lhe o direito de aguardar julgamento em um cômodo do casarão da PF em São Paulo.
Na estratégia de defesa de Nicolau, o próximo passo é transferi-lo para o regime de prisão domiciliar. Por lei, quando não há estabelecimento adequado para abrigar um prisioneiro, a saída é mandá-lo cumprir pena em casa. Mas, no Brasil, prisão domiciliar é ficção para a maioria, pois não há mecanismos para controlar a obediência à sentença. Ainda nesta semana, a proposta de introduzir no País o uso de braceletes eletrônicos para monitorar presos domiciliares será apresentada ao ministro da Justiça, José Gregori. A sugestão é da comissão de reforma do Código de Processo Penal, que agora debate a legislação sobre prisão especial.
Instituído nos anos 40 pelo Código do Processo Penal, o privilégio da prisão especial foi se ampliando de acordo com a força do lobby de cada categoria profissional. Em 1955, um decreto presidencial especificou as condições desse tipo de prisão. De acordo com o professor de direito do Processo Penal e secretário da comissão de juristas Petrônio Calmon Filho, acabar ou não com a prisão especial é uma decisão política que cabe ao Congresso Nacional. “Estamos analisando o decreto de 1955 e vamos propor mudanças nas disposições que se constituam regalia despropositada”, afirma Calmon Filho. Entre os privilégios da prisão especial está a visita de parentes próximos a qualquer hora do expediente.
Entre os juristas, não poucos defendem a manutenção da regalia. Também integrante da comissão que modificará o Código de Processo Penal, Luiz Flávio Gomes justifica o benefício devido às péssimas condições dos cárceres. “O governo não tem moral para pedir o fim da prisão especial enquanto não cumprir a parte dele”, diz Gomes. Criminalista há 40 anos, Tales Castelo Branco defende que a prisão especial é uma questão de direitos humanos. “Não dá para misturar um homem que passou a vida estudando com outro que se especializou em roubar e matar”, afirma. O privilégio, no entanto, está na mira do Congresso. Entre os projetos sobre o tema, há um do senador Roberto Freire (PPS-PE) que restringe a regalia àqueles que atuaram na área de segurança.
O TOPO DA PIRÂMIDE DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO BRASIL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Jorgina para crianças | |||
Condenada por crime de peculato, após desviar dos cofres do INSS o equivalente a US$ 114 milhões, Jorgina de Freitas cumpriu menos de três anos de uma pena de 14 em cela especial e acaba de dar um grande passo em direção à liberdade, ainda que restrita. Ela já conseguiu o aval para uma ocupação que justifique sua saída da prisão durante o dia, benefício concedido pelo Supremo em setembro de 2000. Por vontade da própria Jorgina, sua advogada, Virgínia do Socorro da Cruz, esteve na 1ª Vara da Infância e da Adolescência do Rio de Janeiro, no Centro do Rio, para uma conversa com o juiz Siro Darlan. Jorgina pretende trabalhar na creche da 1ª Vara. O juiz já encaminhou à Justiça um parecer favorável ao pleito. “Acho que todos têm o direito de se reintegrar socialmente”, disse Darlan. A creche assiste crianças encontradas nas ruas, antes de serem encaminhadas à adoção, e Jorgina trabalharia lá oito horas, sem remuneração. A creche recebe diariamente dez crianças, com idades até cinco anos, mas que não costumam ficar mais de dois dias no local. Ela não tem data para começar o trabalho, pois ainda depende de cumprir os outros itens necessários para gozar do benefício, como exames social e psicológico e parecer de bom comportamento. Mesmo com um cotidiano de hotel e rotina de férias na Companhia Especial de Trânsito da Polícia Militar do Rio, a fraudadora já teve três episódios de transgressão disciplinar: usou celular e laptop sem autorização, esquivou-se da revista durante uma visita e desacatou um oficial da PM. Jorgina não pode reclamar de stress ou de falta de conforto. Divide a cela com uma presa e dispõe de diversos eletrodomésticos, como ar-condicionado, freezer, geladeira, duas TVs (uma para cada uma, para não dar briga) e videocassete. Ela ainda pode ter acesso a seu computador, sempre que solicita, e costuma encomendar refeições pelo telefone. Toda segunda-feira, Jorgina recebe a visita da manicure e do cabeleireiro. Das 10 às 11 da manhã, diariamente, pode ficar no telefone da carceragem. Resta saber se Jorgina é uma pessoa preparada para cuidar de crianças. Clarisse Meireles |