Etério Ramos Galvão Filho, homem forte do Judiciário pernambucano, está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público (MP) por crime hediondo. Ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado, o desembargador, conhecido como ET, teria forçado sua amante a um aborto e sequestrado sua filha recém-nascida. Três notícias-crime contra ET, casado e pai de três filhos, já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem competência para julgar crimes de magistrados. A Procuradoria-Geral da República está reunindo provas contra ele. Por enquanto, ET, hoje presidente da 1ª Câmara Cível de Recife, continua no cargo. Juízes, procuradores e delegados ouvidos por ISTOÉ não têm dúvida da autenticidade das denúncias feitas pela médica anestesista Maria Soraia Pereira, de 29 anos. Durante 11 anos, Soraia foi amante de ET. Ela o conheceu aos 17 e viveu sua paixão até o início de 1999, quando descobriu que estava grávida. “Decidi viver o sonho de ter um filho, mas ele reagiu violentamente”, conta ela. O sonho de Soraia virou um pesadelo sem fim. Segundo depoimentos ouvidos pelo MP e pela PF, Etério passou a pressioná-la para que fizesse um aborto e chegou a mandá-la a clínicas do Recife.

– Por que você não me atende mais no celular? – pergunta Soraia, em uma das fitas, entregues à PF, com conversas gravadas por ela com ET.
– Só atendo depois que isso se encerrar. Resolvido isso, nossa vidinha boa volta ao normal.

Avessa ao aborto, no dia 25 de maio de 1999 foi levada por Etério a um passeio numa casa de campo no município de Paulista, vizinho a Olinda. Soraia achou suspeito e gravou a conversa.

– Onde é que a gente tá indo?
– É uma casa de campo – diz ET.
– Eu tô com medo…
– Medo que eu mate você? Se quisesse te matar, era mais fácil.

Na casa em Paulista, Soraia foi sedada com um comprimido posto numa água-de-coco. Quando acordou, descobriu ter sido vítima de um aborto por causa de uma forte hemorragia que quase a matou. Tempos depois, o desembargador voltou a visitá-la e insistiu no relacionamento. Em setembro de 2000, nova gravidez. Temendo ser forçada a um novo aborto, fugiu para Manaus, onde moram seus parentes, e denunciou o caso à PF. Em junho, voltou para o Recife para depor na PF de Pernambuco. Contou a ISTOÉ ter sido sequestrada, logo após o depoimento, pelo empresário e amigo de ET, Túlio Linhares, e mais um capanga. Ela entrava no nono mês de gravidez. ET mandou Linhares levá-la para sua casa na praia de Serrambi, onde foi mantida em cárcere privado até outubro, quando fugiu sem conseguir levar a criança.

“Com a ajuda de uma mulher, deu à luz em parto normal uma menina”, diz o relatório da PF pernambucana. Buscou-se em um novo depoimento de Soraia, feito depois da fuga, em 27 de outubro de 2000. O relatório conta ainda que ET esteve na casa para ver a criança. A mulher que prestava assistência à médica desde o parto tirou-lhe a criança quando percebeu que Soraia preparava a fuga. Ela conta ter escapado para tentar reaver a filha com a ajuda da polícia. Mas a partir daí nunca mais viu a menina, que hoje teria seis meses. Segundo o Ministério Público, a PF pernambucana não ouviu o empresário Túlio Linhares nem os funcionários da casa onde nasceu o bebê. O poder de ET de paralisar as ações levou Soraia ao procurador da República em Brasília, Luiz Francisco de Souza. Ele ouviu o relato da médica e acionou a direção da PF para que intensifique diligências.

Exames médicos confirmam que Soraia teve um bebê e, segundo o MP de Pernambuco, todos os fatos têm confirmação da polícia: a descrição da casa onde foi mantida até os locais das clínicas de aborto, assim como os médicos que a atenderam. Soraia só conseguiu apoio jurídico na Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE. Nenhum advogado local quis se envolver. “Esse desembargador é um caso de polícia”, afirma Waldomiro Evangelista, presidente da comissão. “Está tudo confirmado pelas investigações”, confirma o procurador da República em Pernambuco, Wellington Saraiva. A médica diz que só quer a filha, chamada por ela de Maria Laura. “É perigoso lutar contra o poder. E a força política dele é muito grande”, conta Soraia, que, embora exilada do Recife, continua recebendo ameaças de morte.

Truculência – “Esse caso é gravíssimo e retrata o abuso de gente que tem muito poder e acha que está acima das leis”, afirma Almira Rodrigues, diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), entidade pernambucana que decidiu abraçar a causa e pretende levar o caso à Anistia Internacional. Almira conheceu Soraia quando ela estava no final da gravidez. Procurado por ISTOÉ, o desembargador negou-se a comentar as denúncias. Todas as vezes em que fala do assunto, se defende dizendo que Soraia tem problemas mentais. ET move contra a amante uma ação por calúnia, injúria e difamação. Etério Galvão é descrito pelos colegas de Corte como um homem truculento. A procuradora de Justiça Marília Fragoso de Vasconcelos entrou com uma representação criminal contra ET por abuso de autoridade. Ele tentou agredi-la depois que ela reclamou que o desembargador insistia em reintegrar no cargo prefeitos afastados por corrupção. ET também presidia o TJ quando foi projetado seu novo fórum, uma obra megalômana, ainda em
fase de conclusão, que custou R$ 60 milhões. Segundo técnicos
do tribunal, vale metade. Uma comissão do TJ cancelou vários contratos e adiantamentos indevidos feitos à construtora Sergen.
O Tribunal de Contas do Estado já abriu auditoria para investigar
a obra.