A História está longe de ser coisa do passado. Seus capítulos podem ter sido escritos há anos ou séculos, mas quando seus fatos são interpretados, mesmo os mais remotos, conseguem acender polêmicas no presente. O Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, jogou álcool na fogueira ao lançar a coleção Sociedade e História do Brasil, com 15 fascículos. A obra, de autoria do professor Marco Antônio Villa, da Universidade de São Carlos, destrona heróis, como Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e não poupa personagens mais recentes, como o ex-presidente João Goulart, considerado um “banana” pelo historiador, embora o termo usado no livro seja “incapacitado”. Segundo ele, Goulart “colocou fogo no circo e depois foi embora quando houve o golpe de 1964”. Villa questiona ainda a idéia de que a República seria sinônimo de progresso, afirmando que o evento significou um “golpe militar conservador”, com fortes conotações racistas. Mas sobrou espaço para elogios. O imperador dom Pedro II é considerado a grande figura do século XIX, entre outras coisas, por ter governado durante 50 anos sem ser acusado de corrupto.

Foi o suficiente para que vozes discordantes ecoassem. O deputado federal e jornalista Aldo Rebelo (PC do B), por exemplo, acusou o PSDB de reescrever a História de um ponto de vista anti-republicano. “Ao lançar a sua versão, o partido usou a História para a luta política atual. É um deboche dos que defenderam causas nacionais e populares”, atacou. Para Rebelo, a memória de Tiradentes foi esquartejada. “A obra faz uma afronta a Tiradentes, mostrando-o como massa de manobra de sonegadores. Essa é a versão que perpassou todo o Império e só foi contestada na República”, acrescentou. O parlamentar afirmou que a obra promove uma calúnia, ao associar a República à corrupção e o Império à austeridade. Sobrou até mesmo para o presidente Fernando Henrique Cardoso. “Faz sentido essa fixação em personalidades que reinam mas não governam. O imperador (dom Pedro II) era o FHC da época, um monarca neoliberal que gostava de receber naturalistas estrangeiros, deslumbrar-se em feiras de tecnologia no Exterior e comprar bugigangas. Nunca teve um projeto para o Brasil”, ironizou Rebelo em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo.

Os ataques não ficaram sem resposta. Marco Antônio Villa fez questão de ressaltar que teve total independência na elaboração do livro e não houve nenhuma censura por parte do Instituto Teotônio Vilela. “Eu não sou do PSDB. Esta não é uma história do tucanato. Não reinventei a roda nem escrevi uma doutrina. O projeto é uma síntese do que a historiografia vem produzindo nos últimos anos e pretende provocar a reflexão”, defendeu-se o professor. Villa explicou que Tiradentes não foi achincalhado na obra. “O livro apenas mostra como foi criado um mito em torno dele, discussão que começou quando o brasilianista Kenneth Maxwell escreveu o livro A devassa da devassa, sobre a Conjuração Mineira, em 1975”, ressaltou. O historiador diz que ficou surpreso com a reação do deputado: “Antes era a direita que ficava incomodada quando se mexia em tabus.”