17/01/2001 - 10:00
O mar em ressaca nos Estados Unidos não deve provocar mais do que um enjôo aqui, outro ali, no navegar da economia brasileira ao longo deste ano. Assim pensam os economistas dos cinco principais bancos de investimento do mundo. JP Morgan, Warburg Dillon Read, Deutsche, Merrill Lynch e Morgan Stanley Dean Witter reduziram recentemente suas projeções para o crescimento do PIB dos EUA. Os dois primeiros o fizeram antes mesmo de o Banco Central americano diminuir a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, na primeira semana de janeiro, já antevendo que não haveria outro jeito de enfrentar a queda no ritmo de atividade industrial. Mas as previsões para o crescimento do PIB brasileiro foram mantidas ao redor de 4% – aliás, um percentual próximo ao da previsão oficial de 4,5%.
Sensível – A maior parte dos bancos aposta numa desaceleração branda da economia dos EUA. Ou seja, o BC age rápido para recolocar a maior potência do planeta no eixo de prosperidade. Nada de crash nas Bolsas, quebradeira de empresas e desemprego explosivo. O Morgan Stanley, por enquanto, é o único a prever recessão. Estima uma queda do PIB americano de 1,25% no primeiro semestre de 2001, o que levaria a uma redução de 40% no ritmo de crescimento da economia mundial. Sumiriam US$ 32 bilhões da face da Terra.
O Brasil é um dos poucos países que não sofreram rebaixamento no crescimento estimado para este ano. “Não faz sentido”, disse a ISTOÉ Eduardo Cabrera, estrategista-chefe para a América Latina do banco Merrill Lynch. “O Brasil está entre os países mais sensíveis aos humores da economia mundial. Não dá para imaginar que saia ileso diante de uma recessão nos EUA”, setenciou Cabrera.
Por causa da alta dependência do capital externo, o Brasil seria afetado por uma piora na economia americana, avalia a revista inglesa The Economist, na edição da semana passada. E a publicação, uma espécie de bíblia do capital global, cogita a possibilidade de uma crise financeira séria nos EUA. O Brasil vai precisar neste ano de US$ 55 bilhões de recursos externos, contando a rolagem de dívida de empresas e do governo. Se entrar o dinheiro de todos os investimentos planejados pelas multinacionais, não há razão para alerta. Segundo Marcelo Carvalho, economista da filial brasileira do JP Morgan, as empresas internacionais devem lucrar menos e, ao mesmo tempo, enfrentar maior custo para financiar suas atividades. Quanto maior a dificuldade pela frente, mais o Brasil vai deixar de receber recursos. “Esse fator dará o limite de crescimento para a economia brasileira”, diz.
Custo político – Uma fuga de capitais do Brasil pressionaria a taxa de câmbio. O governo avaliaria o impacto na taxa de inflação e elevaria os juros, revertendo a trajetória de queda no custo do dinheiro. O crescimento do PIB ficaria comprometido – para Carvalho, o extremo seria uma queda pela metade, ou seja, para 2%. Se o passo for mais lento, o cenário político complica. “A taxa de crescimento projetada de 4% já não entusiasma”, avalia Octavio de Barros, economista do espanhol BBV Banco para o Brasil. Se for ainda inferior, diz, afetará a popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso e “vai aumentar a ansiedade dos investidores em relação à sucessão.”
Barros chama a atenção para um aspecto em que há muitas divergências entre os analistas. Com a baixa nos juros dos títulos do Tesouro americano – e os bancos projetam novas reduções neste ano –, os papéis perdem atratividade. Para Leonardo Leiderman, economista do Deutsche para a América Latina, o dinheiro pode fluir para os mercados emergentes, Brasil inclusive. Barros discorda: “Não há evidências históricas de que o Brasil seria beneficiado.” Num momento de incerteza, os investidores buscam o tipo de poupança que ofereça maior segurança, ao custo de um rendimento menor.
Desconforto – Mesmo se tudo correr bem e os americanos passarem desta sem afundar por um longo período, o ano será emocionante. “Vamos passar por períodos de desconforto”, diz Demian Fiocca, economista-chefe da Telefônica para o Brasil. Por isso, Armínio Fraga e sua equipe aproveitaram a fase atual razoavelmente boa, reduziram os juros e colocaram títulos no mercado internacional no valor de US$ 2,4 bilhões, mais da metade das necessidades de amortização da dívida externa da União, que vence neste ano. Para alguns analistas, é um sinal claro de que o governo prefere garantir já, pois não se sabe como vai estar o mercado daqui para a frente. “Eles têm que fazer essas operações antes que o mercado feche”, avalia Cabrera. Vale o mesmo conselho para os pobres mortais: endividado até o pescoço ou com grana de sobra para aplicar, o melhor é agir com cautela e não contar com uma boa maré o tempo todo.