17/10/2001 - 10:00
Nenhuma criança passa pela infância incólume a tombos de bicicleta ou escorregões na escada. Estripulias fazem parte do mundo infantil. Mas é preciso atenção. Muitas vezes o resultado da brincadeira é negativo. As peripécias podem deixar marcas maiores do que os incômodos arranhões pelo corpo. Segundo dados do Ministério da Saúde, os acidentes externos, como queda, são a principal causa da morte de crianças entre um e dez anos. E entre os menores de 14 anos não são poucas as vítimas fatais. De acordo com o governo, todos os anos cerca de oito mil jovens fazem parte dessa estatística (números de 1999). Por isso, para os pediatras, a necessidade de criar estratégias para combater o problema é urgente.
A prevenção de acidentes foi discutida na semana passada durante o 58º Curso de Atualização de Pediatria, em Olinda (PE), patrocinado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Um dos palestrantes, o médico Edson Ferreira Liberal, professor da Universidade do Rio de Janeiro, apresentou as dez causas que mais provocam lesões na garotada abaixo de 14 anos. Fazem parte da lista: atropelamento, acidentes de trânsito, afogamento, asfixia, engasgamento, queda, queimadura, intoxicação, acidente de bicicleta, patins, patinetes, skates e armas de fogo (leia nos quadros como evitar alguns acidentes).
Uma das razões da alta frequência de acidentes é que os pais desconhecem onde está o perigo. “Os casos costumam ocorrer próximos ou dentro de casa, pois a família se descuida e acredita que, por estar perto do filho, ele está seguro”, afirma Wilson Maciel, professor da Universidade Federal de São Paulo. A fisioterapeuta Mara Rita Salgado, 46 anos, viveu de perto as consequências desses descuidos. Há cerca de um mês, sua filha, Luma, 12 anos, andava de bicicleta com suas coleguinhas no condomínio onde moram, em São Paulo. Não usava capacete. As meninas desceram uma rampa, o guidão da bicicleta de Luma virou e ela caiu, batendo a cabeça no chão. A garota teve quatro cortes profundos na cabeça e teve de passar por uma cirurgia. “Ainda bem que estou me recuperando bem”, diz Luma. “Nunca encarei a bicicleta como um perigo e a consequência foi séria”, desabafa Mara.
A culpa desses problemas não pode ser jogada apenas nas costas dos pais. Às vezes, é complicado controlar a curiosidade da criança, principalmente no perído de um a cinco anos. Nessa fase, ela quer experimentar tudo. O adolescente se comporta da mesma maneira. Para ele, o fundamental é ter liberdade. Por causa de histórias como a de Luma, os especialistas consideram importante tentar mudar o comportamento dos dois grupos. “O governo brasileiro deveria fazer constantemente campanhas de esclarecimento”, aconselha Liberal. Felizmente, já estão surgindo iniciativas. Em junho, foram inauguradas filiais da ONG americana Safe Kids (criança segura) em São Paulo, no Recife e em Curitiba. O objetivo da entidade, patrocinada pela General Motors e pela Johnson & Johnson, é conscientizar a população de que é possível prevenir lesões. “Podem ser evitadas 90% das causas”, garante o cirurgião pediátrico João Gilberto Maksoud Filho, coordenador da regional paulistana.
O programa consiste em treinar voluntários, como professores, para ensinar a garotada a ter uma cultura preventiva. Em uma região carente de São Paulo, por exemplo, os líderes comunitários passam por um treinamento. Os voluntários da Safe Kids estão fazendo uma pesquisa com a população do bairro para saber quais os acidentes que mais acontecem. Também estão sendo feitos trabalhos em escolas estaduais. Os alunos aprendem a evitar as lesões de maneira lúdica. Num jogo de sete erros, por exemplo, eles marcam o que não deve ser feito. É uma boa saída. Para o médico Maciel, a melhor vacina para afastar perigos é a educação.