17/01/2001 - 10:00
Há alguns anos, em meio a uma de suas constantes excursões pelo Brasil, a atriz Elisa Lucinda, após apresentar o espetáculo que servia de divulgação para seu livro de poesias O semelhante, foi abordada no camarim por uma senhora que lhe disse: “Gostei tanto que queria ficar com a tua voz.” A idéia borbulhou na sua cabeça. Logo tratou de viabilizar seu CD-poema, lançado em 1997 pela Rob Digital, que vendeu quatro mil cópias, número quase igual ao de seu livro. O exemplo de Lucinda instigou o mercado brasileiro a investir nas poesias digitalizadas, exatamente como acontece há algum tempo no Exterior. Foram lançados, então, versos históricos dos maiores poetas, e assim se iniciou um trabalho mais fácil de divulgação da poesia. A tendência se transformou num bom canal de vendas, pois o CD facilita a concentração e diverte, já que é possível ouvir os discos no carro, no computador ou no trabalho.
Além de poetas iniciantes, estão também à venda poemas nas vozes de autores consagrados. Como os compositores, eles descobriram que podem prescindir de editoras e do aparato industrial da impressão de livros. Por enquanto, ainda não concorrem com o exemplar impresso, pois as prensagens dos disquinhos prateados raramente ultrapassam as duas mil cópias. Só para se ter uma idéia, Canto geral (Bertrand-Brasil), de Pablo Neruda, em papel vendeu 35 mil exemplares; Antologia poética (Record), de Carlos Drummond de Andrade, 200 mil. Em compensação, o preço é competitivo. Um CD-poema custa em média R$ 15. Mas o curioso é que no Brasil a tendência não é nova. Os precursores dos CDs-poemas surgiram nos anos 50. À época, o jornalista carioca Irineu Garcia ganhou um disco no qual o escritor francês André Gide dava aulas de piano. Mostrou aos amigos poetas Manuel Bandeira e Drummond. Ambos ficaram assanhados com a idéia. Nascia o selo Festa, que durante duas décadas se especializou no gênero. Garcia morreu na década de 80. Sua sobrinha Gracita Bueno continuou a obra. Há dois anos está relançando os títulos em CDs devidamente remasterizados. Tem desde Pablo Neruda e João Cabral de Melo Neto, interpretados pelos próprios, a García Lorca, por vários.
Em outro selo, Paulo Autran se tornou um “best seller” do gênero. Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, ambos recitados por ele, atingiram a marca individual de dez mil cópias vendidas. “Gravei Pessoa em duas horas e Drummond em uma”, afirma Autran. Lançados pelo selo Luz da Cidade, criado em 1996 por Paulinho Lima – ex-empresário e produtor de Gal Costa –, os discos com Drummond e Pessoa, registrados em 1999, fazem parte de um catálogo que alterna nomes clássicos e contemporâneos.
Não só de figurões, no entanto, alimenta-se o gênero emergente dos CDs-poema. Segundo Sandra Falcone, uma atarefadíssima advogada do mercado de capitais, empreendedora cultural e poeta, o novo movimento literário explode na internet. “Redescobri a poesia em sites, chats e listas”, conta ela. Autora de Retraços de mulher e Notícias de mim, livros transformados em CDs-poema, Sandra vê os poetas novos como uma espécie de confraria. A ela estão ligados nomes como Flora Figueiredo, que publicou O trem que traz a noite (Lacerda Editores), inspirada nas experiências de poetas-internautas, entre eles o advogado Douglas Mondo, de Jundiaí, que editou mil cópias do CD Evoé libido! – poemas eróticos, distribuído gratuitamente. Do clássico ao ousado, a poesia digitalizada tornou-se uma opção prática. Sandra Falcone lembra que há um mês ganhou de presente o novo livro de José Saramago, A caverna, e, por falta de tempo, não conseguiu passar da primeira página. Mas confessa que no mesmo período tomou contato com pelo menos cinco trabalhos novos ouvidos em CD.