17/01/2001 - 10:00
Segunda música mais tocada do mundo, Garota de Ipanema, de Tom Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980), por pouco não perde a referência à famosa praia carioca. É que, no calor da explosão americana da bossa nova, Norman Gimbel, letrista encarregado de verter a música para o inglês, cismou com a “esquisita” palavra de origem indígena. Além de pronunciá-la “aipanima”, ele a achava muito parecida com Ipana, marca de um creme dental famoso na época. Tom brigou bastante com o letrista até conseguir manter o título e o sentido do verso original. Histórias saborosas como esta recheiam as páginas de Cancioneiro Jobim – Antonio Carlos Jobim, obras escolhidas (Jobim Music/Casa da Palavra, 448 págs., R$ 145), belíssimo volume que – além de partituras para piano de 42 de suas mais conhecidas composições – reúne fotos, anotações, cartas, entrevistas, desenhos, esboços e originais de sua obra.
Na verdade, o livro faz parte de um projeto importantíssimo, coordenado por Paulo Jobim, 50 anos, filho de Tom. De certo modo, trata-se de uma versão resumida, e mais luxuosa, do Cancioneiro Jobim, sonhada coleção de cinco volumes – um deles, Cancioneiro Jobim livro 4 (1971-1982) (Jobim Music/Casa da Palavra, 215 págs., R$ 40), acaba de ser lançado –, com arranjos para piano de toda a obra gravada do maestro, que vem sendo preparada desde 1982. “Centramos apenas no trabalho gravado, porque, além de ele ser necessário para chegar à partitura, era uma forma de colocar um limite, senão não acabava nunca”, afirma Paulo, que contabiliza 250 canções gravadas do pai. Mas não é preciso saber ler música para desfrutar as belezas da versão especial de Cancioneiro Jobim. Apenas metade do livro é coberta por pentagramas, reservada – segundo o bem-humorado Paulo – para “quem lê bolinhas”.
A mesma dedicação investida na edição final das partituras se estendeu ao projeto gráfico. Dividido em oito capítulos cronológicos, com belo texto do jornalista Sérgio Augusto, o livro esbanja elegância e informação. No segundo capítulo, dedicado à bossa nova, podem-se cotejar as duas primeiras letras de Garota de Ipanema. Tom e Vinicius fizeram versos distintos, mas a versão final é a do poetinha.
Surpreendentemente, a letra de Tom não faz nenhuma menção à musa, e sim a uma “gaivota que passa no longe”. Mais adiante, o capítulo cinco se abre com o manuscrito original de Águas de março, pontilhado de marcas de cigarro e algumas correções. O verso “É a viga é o vão”, por exemplo, substituiu o rebuscado “É o projeto viril”. Também não faltam cartas assinadas, às vezes como Almeida ou Antonio Choppel, e anotações curiosíssimas, entre elas as que Tom – leitor obsessivo de dicionários – fez em cartões e envelopes de hotel, selecionando palavras do inglês para traduzir Águas de março. Enfim, todas aquelas qualidades e delícias que tornam o Cancioneiro Jobim imprescindível aos amantes da melhor música brasileira.