22/05/2015 - 20:00
Aos cinco anos de idade, o americano Dean Potter escalava o telhado de sua casa, em Israel, quando sofreu uma queda. Para aliviar seu sofrimento, curandeiras beduínas se reuniram em círculo à sua volta e entoaram canções místicas enquanto colocavam sal na ferida. Desde então, o atleta afirmava, perdeu o medo de altura. Provava isso constantemente ao criar e praticar esportes radicais (leia quadro) que envolviam saltos para o vazio sem qualquer equipamento de proteção, apenas com um paraquedas às costas. O pulo podia ser realizado de um prédio, de uma montanha ou até de uma estreita faixa de highline (esporte de equilíbrio sobre um corda bamba com largura de, em média, 5 centímetros), ligando dois picos diferentes de uma cordilheira. Equilibrar-se sobre a linha, de forma literal ou subjetiva, era o esporte de Potter. Encarar, a cada salto, a linha entre a vida e a morte era sua rotina. Seu sonho era voar.
AVENTURA
No detalhe, Potter com seu cachorro Whisper, que o acompanhava na
maioria dos saltos. E voando com a roupa wingsuit
Para infelicidade dos fãs de esportes radicais, no sábado 16 o sonho de Ícaro – personagem da mitologia grega que também queria voar e morreu ao tentar deixar a cidade de Creta utilizando asas – de Potter teve um fim. Ele e seu companheiro de saltos Graham Hunt morreram em um acidente com a wingsuit, as roupas especiais que possuem uma espécie de asa em suas laterais para possibilitar os voos. Eles faziam o salto no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia, e a base estava a 914 metros de altura. A prática de BASE-jump é proibida no perímetro do parque, sob pena de multa e prisão. Potter morava nas proximidades do parque com sua mulher, Jennifer Rapp, e o vira-latas Whisper, seu parceiro em inúmeros saltos e escaladas. O cão ficou famoso pelo mundo por ser o primeiro praticante canino de esportes radicais. No entanto, justamente naquele sábado o cachorro não estava em seu lugar habitual, a mochila de Potter.
Um dos mais respeitados atletas de esportes radicais dos EUA, Potter contava que tinha sonhos recorrentes de voar, desde a infância. Começava com ele no ar, despencando. No chão, os restos de uma árvore morta o assustavam, como se fosse um presságio macabro. Mas, para seu alívio, algo persistente o rebocava para cima, puxando-o pelos ombros. Por anos esse mesmo sonho o perseguiu. Até que a experiência se tornou real quando ele se tornou pioneiro de BASE, um tipo de paraquedismo aplicado a alturas moderadas, como a de um prédio ou de uma montanha. Foi quando percebeu que, ao contrário da interpretação inicial, em seu sonho ele não morria, mas voava. Extasiado com a sensação, que afirmava deixá-lo em transe, ele disse à revista STATUS em 2011: “Vou ficar equilibrado mental e fisicamente, e espero que tudo afunile nesse superpoder de voar. Só penso nisso.” A paixão pela adrenalina o tornou um dos maiores esportistas radicais do mundo, recebendo o Prêmio Laureus, grande mérito da categoria, em 2003. E ele morreu envolto em seu sonho.
Fotos: Drew Kelly; EFE