Tudo é superlativo na rota que busca a saída para o Pacífico e a entrada para os mercados asiáticos. A começar pelo próprio oceano, o maior e mais profundo do planeta. Mais da metade da população do mundo vive em suas margens. Por isso, todo esforço é pouco para dominar a rota do Pacífico. Os 5.295 quilômetros que separam São Paulo de Lima (Peru) não são nada perto dos obstáculos que precisam ser vencidos para a conquista do oeste da América do Sul. Afinal, no meio do caminho há uma respeitável muralha erguida pela natureza. Com seus oito mil quilômetros de extensão, a cordilheira dos Andes é a maior do mundo. Dois modernos caminhões Volvo, modelo Globetrotter, com 380 cavalos, equipados com o GPS (sistema de monitoramento via satélite), serpenteiam a cadeia montanhosa por uma estreita estrada de mão dupla, sem acostamentos. O objetivo é chegar a Callao, o principal porto do Peru, em Lima, para desembarcar a mercadoria. De olhos grudados no volante e nas várias curvas em forma de ferradura, o motorista não pode piscar. “Nunca peguei uma estrada tão perigosa. Se eu me distrair um minuto, a gente cai no precipício”, constata Donizete Aparecido da Costa, o “Xerife”, 44 anos e 25 de estrada. Assustado, ele observa as cruzes e túmulos encravados nas curvas, indicando que dali alguns não passaram.

Esta é a quinta e última caravana para o Pacífico que a empresa de transporte de carga rodoviária Expresso Araçatuba organiza desde 1995. As caravanas anteriores – movidas por interesse comercial e um forte espírito de aventura – serviram para testar outras rotas para o Pacífico. O martelo foi batido. O caminho, pelo menos até agora, é este: sai de São Paulo, passa por Cáceres (MT) e corta a Bolívia pelo meio para chegar ao Peru. Na Bolívia, a caravana cruza a chamada região das missões jesuítas e segue para cidades grandes como Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba e La Paz, a capital mais alta do mundo, 3.650 metros acima do nível do mar. O roteiro inclui o lago Titicaca, na fronteira com o Peru. Mais um recorde: o Titicaca, lago de maior altitude do mundo – situado a 3.812 metros – é também o maior da América do Sul, com 8.340 quilômetros. A caravana chega a passar pelo trecho final do deserto mais seco do mundo, o Atacama, na divisa do Peru com o Chile. E finalmente desemboca na Panamericana, a famosa rodovia que acompanha a costa ocidental da América do Sul. Foram nove dias de viagem até chegar a Lima.

De pacífico, o trajeto não tem nada. Perigo e beleza caminham juntos nesta expedição. “Não existe apenas uma rota. Essa é uma delas. Precisamos desbravar todas”, diz Oswaldo Castro Jr., o diretor de vendas e marketing da Expresso Araçatuba, que participou de todas as caravanas. Abrir as portas para o Pacífico é um sonho antigo. E fundamental para um país que adotou o lema “Exportar ou morrer”. Afinal, além dos países fronteiriços, como Bolívia, Chile e Peru, há um poderoso mercado do outro lado do oceano. Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são alguns deles. Os olhos do Brasil, sempre voltados para o seu litoral, ignoram que a fronteira com os vizinhos sul-americanos, com 15.719 quilômetros de extensão, é duas vezes maior que o limite com o Atlântico (7.367 quilômetros). A inauguração da primeira linha de transporte rodoviário comercial regular para Lima é um passo a mais para concretizar o sonho de desenvolver o coração da América do Sul e abrir o horizonte para além-mar. “Depois que a estrada entre Manaus e Venezuela foi inaugurada, há dois anos, o comércio entre os dois países aumentou cinco vezes. O comércio bilateral com o Peru ainda é pequeno, da ordem de U$S 640 milhões por ano”, comentou o embaixador brasileiro no Peru, André Amado, que recepcionou a caravana em Lima. “O mercado peruano é promissor. O transporte de mercadorias de São Paulo a Lima era feito através de Santiago, no Chile, um trajeto bem mais longo, de oito mil quilômetros e 15 dias de duração”, comparou Álvaro Fagundes Jr., gerente de negócios internacionais do Expresso Araçatuba, que acompanhou a caravana.

A aventura ganha ares de faroeste na fronteira do Brasil (no Mato Grosso) com a Bolívia, infestada de narcotraficantes e quadrilhas de roubo de caminhões e cargas. Os “cabritos”, ou caminhões roubados, rodam tranquilamente no lado boliviano. “Eu nunca mais venho por estas bandas. As quadrilhas, com metralhadoras, rendem e matam os motoristas”, contou um caminhoneiro que não quis se identificar. Os policiais bolivianos exigem dos motoristas uma “contribuição” para deixá-los passar. A região de plantação de coca, no leste da Bolívia, é passagem obrigatória.

Escalada – A subida da cordilheira começa no quinto dia de viagem. As folhas de coca (não alucinógenas, apesar de ser matéria-prima da cocaína) são um santo remédio para evitar o chamado mal da altitude: náusea, dor de cabeça, sono e cansaço. O poderoso Volvo perde potência por causa da falta de oxigênio. Nos trechos com curvas perigosas, a velocidade não passa de 40 quilômetros por hora. Nas retas do altiplano boliviano, a quase quatro mil metros de altura, enfeitado ao fundo com montanhas de topos nevados, o caminhão consegue chegar a 100 quilômetros.

Num só dia, a temperatura varia de 34 graus positivos para dois graus negativos. A altitude, de 500 metros acima do mar, chega a 4.755 metros. A exótica e variada paisagem da cordilheira dos Andes e do altiplano boliviano, com sua vegetação subtropical, semi-árida e depois desértica, é completada pela imagem dos seus habitantes: os indígenas, que viveram seu apogeu no século XV, sob o Império Inca. Retraídos, eles falam mais o quechua do que a língua dos dominadores, o espanhol. As mulheres, conhecidas como cholas, com suas saias coloridas, longas tranças negras e chapéus, chamam a atenção dos forasteiros. As lhamas, vicunhas e alpacas surgem, de repente, na beira da estrada. Ao chegar na fronteira da Bolívia com o Peru, na cidade de Desaguadero, o grupo descobre que aqueles eram os primeiros caminhões brasileiros que passaram por ali. O que havia descarregado a mercadoria (23 toneladas de doces) antes, em Santa Cruz de la Sierra, passa sem problemas pela divisa. Mas o outro, carregando 25 toneladas de jeans, fica 24 horas retido na poeirenta cidade às margens do Titicaca. Problemas burocráticos na aduana boliviana. Os motoristas aproveitam a parada para limpar o caminhão. “Ele é a minha casa”, explica Armando, 44 anos, há 23 no volante. “Nessa vida de caminhoneiro, a gente sofre mesmo por não ver os filhos crescerem”, lamenta Donizete, pai de duas filhas adolescentes. “Mas em compensação a gente nunca briga com a mulher”, completa Raimundo Agassi, 62 anos, uma espécie de curinga da expedição porque sabe fazer de tudo, desde dirigir caminhão até improvisar alojamento no meio da selva, como já aconteceu em caravanas anteriores.

Mistério – Singrar o deserto também não é fácil. Em território peruano, a caravana passa pelo segundo ponto turístico do país, depois das ruínas de Machu Picchu: a cidade de Nasca, que atrai místicos de todo o mundo, por causa das linhas geométricas desenhadas em seu solo árido há mais de mil anos. Os desenhos só podem ser vistos do alto (principalmente de avião) e por isso permanece o mistério sobre sua autoria. Há até quem defenda a tese de que foram extra-terrestres. “Esse lugar só atrai doido. Vi um homem nu na beira da estrada, rebolando”, conta Armando. No meio do deserto, Donizete descobre o que são miragens. “Olha o oceano lá adiante, com ondas”, e anuncia, exultante. Era uma miragem. Para aplacar a sede, experimentam a exótica Inca-Cola, um refrigerante amarelo com gosto de chiclete que consegue a proeza de bater a vendagem da Coca-Cola. Depois de andar horas pela estrada que corta o deserto, surge o mar. Desta vez é real. O azul acinzentado do Pacífico anuncia a última etapa da viagem pela Panamericana. Novamente o caminhão é obrigado a subir e descer a cordilheira, rente ao precipício à beira-mar. Depois do descanso das retas pelo deserto, a tensão das curvas sinuosas toma conta dos motoristas. A notícia de que há três meses um terremoto seguido de maremoto devastou a pequena cidade de Carrillo os assusta. No dia seguinte, chegam finalmente em Lima. Missão cumprida. O Pacífico não é logo ali. Mas ficou mais perto.