17/10/2001 - 10:00
Triunfante, a figura vermelha de Vladimir Ilitch Lenin apontando o braço esquerdo para o horizonte tomou as ruas de Brasília. A partir de dezembro este fantasma ameaçador será visto também em vários pontos de São Paulo, seguindo depois para o Rio de Janeiro. A imagem, que há três décadas deixaria em pânico o regime militar, não significa um ressurgimento do marxismo-leninismo. É apenas um prosaico – embora belíssimo sob o aspecto artístico – pôster anunciando a exposição Gráfica utópica – arte gráfica russa 1904-1942, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. A mostra, um trabalho a quatro mãos do diretor do CCBB, Paulo de Tarso Leite dos Santos, e do artista plástico e produtor cultural Evandro Salles, reúne 150 obras, num panorama que foca especialmente o período revolucionário, quando foi a vanguarda mundial. “Nas primeiras décadas do século XX, a Rússia foi palco de um extraordinário fenômeno artístico e cultural, que influenciou as artes em todo o mundo”, afirma Salles.
Segundo o curador da mostra, o processo revolucionário permitiu que os artistas fizessem um cruzamento entre as invenções estéticas, a industrialização e o processo político. Vladimir Maiakovski, Kazimir Malevich, Aleksandr Rodchenko, El Lissitski e os irmãos Georgii e Vladimir Stenberg, todos com trabalhos na exposição, partiram dos cartazes de agitação política e foram fazendo experiências estéticas cujos reflexos podem ser sentidos até hoje. Que sirva de exemplo a impactante obra Bata nos brancos com a cunha vermelha (1920), litografia absolutamente abstrata de El Lissitski, feita como propaganda dos bolcheviques contra os russos brancos, os mencheviques, durante a guerra civil que se seguiu à tomada do poder em 1917. “O objetivo dos artistas era criar uma pintura proletária. Através dos cartazes, pretendiam levar às massas uma arte da mesma qualidade que a dos museus”, afirma Salles.
Um dos destaques da mostra é o poeta Vladimir Maiakovski. Engajado entre os bolcheviques muito antes da Revolução de Outubro, ele foi um dos primeiros artistas multimídia do mundo. Além de escritor e poeta, era artista gráfico, publicitário, ator e “performer”. Junto com Rodchenko, dirigiu na década de 20 uma agência especializada em cartazes de filmes e de peças de teatro. A colagem para seu poema Isto, feita por Rodchenko em 1920, antecipou obras de vanguarda dos anos 60, como as capas de Klaus Voorman para os discos Revolver e Sgt Pepper’s lonely-hearts club band, dos Beatles. Na mesma linha situa-se o incrível pôster do filme A general, de Buster Keaton, criado em 1928 pelos irmãos Stenberg.
Experimentalismo – Segundo Paulo de Tarso, a idéia de trazer ao Brasil a produção gráfica russa surgiu quando Salles viajou a Moscou acompanhando uma exposição de arte brasileira. O primeiro contato foi com o Museu da Revolução, hoje chamado Museu Estatal da História Contemporânea da Rússia, que tem centenas de cartazes originais do período revolucionário e da fase do realismo socialista defendido por Joseph Stalin. “Decidi depois ampliar a mostra, incluindo a produção para cartazes de cinema, do acervo do Museu do Filme, com peças do Museu Maiakovski”, conta Salles. A exposição ilustra quatro grandes temas, dando ênfase às experiências precursoras do final do século XIX e início do século XX, aos cartazes políticos feitos durante a Primeira Guerra Mundial e o período revolucionário, à fase áurea do construtivismo, futurismo, cubismo, expressionismo e figurativismo, incluindo a produção dos cartazes para cinema, e ao fim do experimentalismo, acontecido após 1930, quando se pode apreciar – ou melhor, lamentar – a virada conservadora para o realismo socialista.