O câncer é uma das enfermidades que mais assustam a humanidade. Quando atinge a fase avançada, ele devasta o organismo. Ao dano físico, muitas vezes se soma o emocional. A descoberta de lesões cancerígenas provoca abalos tão profundos que algumas pessoas se entregam à doença. Há quem prefira se esconder e nem mesmo citar o nome do mal, como se isso afugentasse o fantasma. Se soubessem que existem grandes chances de cura quando os tumores são descobertos logo no início, talvez o cenário de incidência do problema fosse menor. É por isso que a medicina insiste no binômio prevenção e diagnóstico precoce para tentar conter o avanço da doença.

Em países desenvolvidos, a detecção precoce é regra no combate ao câncer. Por aqui, infelizmente, não dá para dizer o mesmo. “O diagnóstico é tardio e falta prevenção”, afirma o médico Daniel Deheinzelin, diretor clínico do Hospital do Câncer, em São Paulo. Para mudar esse perfil, a instituição lançou uma campanha de prevenção. A ação mostrará que os tumores de maior incidência no Brasil – pele, pulmão, útero, mama e próstata – são também os de mais fácil prevenção ou diagnóstico. O esforço da instituição é importante. Com base em dados de 1999, o Hospital do Câncer chegou à conclusão de que é possível prevenir 70% dos tumores se forem adotados cuidados simples, como seguir uma dieta saudável e evitar o cigarro, o grande vilão da doença.

Pesquisas indicam que o tabagismo é responsável por 35% dos tumores. No caso do câncer de pulmão, a responsabilidade é de mais de 90%. “Cuidados como abandonar o cigarro integram as medidas preventivas primárias. Elas afastam a pessoa da causa do problema. Entre os cânceres que podem ser evitados dessa forma está o de estômago. Recomenda-se uma dieta com pouco sal”, ensina Osvaldo Giannotti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Cardápio – Na verdade, a transformação dos alimentos em aliados na luta contra o câncer é um dos campos de pesquisa de maior interesse da última década. Os cientistas investigam a capacidade de compostos encontrados em hortaliças, legumes, grãos e frutas protegerem o organismo contra o surgimento de tumores (leia quadro). Uma das substâncias que já contam com a chancela científica é o licopeno, presente no tomate. Alguns especialistas, por exemplo, recomendam cerca de três xícaras de bom molho de tomate por semana para evitar o risco do câncer de próstata. “Não há nada a perder com uma dieta saudável e que ainda por cima ajuda a prevenir problemas”, diz Maria Luiza Ctenas, da C2 Consultoria e Nutrição. Para o pesquisador Fernando Moreno, da Universidade de São Paulo, o ideal é comer cinco porções diárias de legumes e frutas. E existem indícios, por exemplo, de que o consumo de ômega-3, um tipo de gordura presente nos peixes de água fria, ajuda na proteção contra o câncer de mama.

Ainda na prevenção primária, uma medida importante é o exercício. Descobriu-se uma relação entre a obesidade e o câncer de mama. Quanto ao homem, estuda-se a influência do excesso de gordura sobre o câncer de intestino grosso. Mas essa suspeita é controvertida”, observa Giannotti. No caso do câncer de pele, sabe-se que torrar ao sol entre 10 e 15 horas – mesmo com filtro solar – é um dos principais fatores responsáveis pelo mal. “É nesse período que os raios ultravioleta do sol (UVB) agridem mais a pele e fazem as células se reproduzirem de forma desordenada, podendo causar o câncer”, explica o oncologista Antônio Buzaid, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. Usar boné, óculos e filtro solar com fator acima de 15 (com reaplicação a cada duas horas) é a recomendação.

Cuidados – Se a pessoa perceber pequenas protuberâncias na pele, como uma lesão que muda de forma ou tamanho, é necessário procurar o médico. Esses sinais podem indicar a presença de dois tipos de câncer de pele, comuns entre os brasileiros: o carcinoma basocelular e o espinocelular. Apesar da malignidade dos tumores, dificilmente eles se espalham pelo corpo (metástase). É o contrário do melanoma (tumor mais agressivo). Na semana passada, foi removido um carcinoma basocelular das costas do presidente americano Bill Clinton. Felizmente, essa é uma das formas de câncer mais facilmente curáveis. Para tratá-lo, retira-se a lesão por meio de uma pequena incisão.

A húngara Margarida Krepel, 85 anos, que vive no Brasil desde 1939, conhece bem a doença. Três décadas atrás, ela teve uma lesão no couro cabeludo que não cicatrizava. Foi ao médico e descobriu que era um carcinoma, retirado com cirurgia. Ela passou a visitar o especialista a cada seis meses, pois começaram a surgir várias lesões em sua pele. O motivo da doença é o sol. Ela tem a pele e os olhos claros, mais vulneráveis à ação solar. “Na praia, mesmo debaixo do guarda-sol, o reflexo da luz na areia me queimava”, lembra. Hoje, além das consultas médicas, Margarida usa protetor diariamente no rosto e evita sair à rua entre 10 e 15 horas. Quando sai, não esquece da sombrinha. De acordo com a dermatologista Cristina Abdalla, o ideal é que mesmo quem nunca teve qualquer suspeita de câncer de pele visite anualmente o médico. Dados do Hospital do Câncer indicam que, em câncer de pele não-melanoma, o diagnóstico precoce resulta na cura de quase 100% dos casos.

No combate ao câncer, há também a prevenção secundária, que requer exames médicos. Nesse caso, ser disciplinado é fundamental. É preciso obedecer o calendário de exames. O câncer de mama, por exemplo, ocupa o primeiro lugar da lista de tumores letais para a mulher. Conseguir com que as mulheres façam os exames preventivos, no entanto, é uma luta para os especialistas. “Cerca de 70% das pacientes procuram o médico depois que o tumor já avançou. Esse comportamento precisa ser transformado”, alerta o mastologista Marcos Desidério Ricci, do Hospital das Clínicas, de São Paulo (HC/SP). Foi o que aconteceu com a corretora de seguros Elisabeth Paravane, 49 anos, que há três meses passou por uma mastectomia (retirada total do seio). Ela conviveu cerca de dois anos com nódulos mamários, mas atribuiu o problema ao excesso de peso. Só marcou consulta quando a dor aumentou e o sutiã ficou manchado por uma secreção. Recuperada da cirurgia e de volta ao trabalho, Elisabeth decidiu se cuidar. “Errei ao não procurar tratamento. Meu caso serviu de alerta para amigas e vizinhas, que estão marcando consulta com o médico”, observa.

A descoberta precoce do tumor de mama eleva muito as chances de cura. O tratamento, como em grande parte das lesões cancerígenas, se baseia na utilização de drogas para matar o tumor (quimioterapia), aliado a outras técnicas, como a cirurgia. Identificado no início, o índice de cura é de 85% a 90%. A possibilidade diminui de acordo com a progressão do tumor. Na fase 3 (estágio em que a lesão é mais agressiva), a taxa baixa para 45% a 50%. Passada essa etapa, não supera 10%. Por isso, os médicos insistem tanto na rotina de cuidados. Um deles é fazer o auto-exame das mamas regularmente. Além disso, deve-se consultar o ginecologista uma vez por ano e fazer a primeira mamografia (uma radiografia da mama) entre 35 e 40 anos. Depois, repeti-la a cada dois anos ou a critério médico. Outro exame que pode ajudar é a mamotomia, procedimento que dispensa pontos e é feito com pequena incisão na mama para retirada de nódulos. A técnica está disponível em algumas clínicas privadas, no serviço de ginecologia do HC/SP e em outros dois hospitais públicos de São Paulo.

Mulheres com alto risco de desenvolver a doença (as que têm parentes próximas com o problema) devem seguir outro roteiro de exames. A primeira mamografia, por exemplo, acontece em idade mais precoce. “A indicação é realizar o exame dez anos antes da idade em que a mãe, avó ou irmã tiveram o problema”, explica Ricci. A professora carioca Tânia Brandão, 48 anos, que retirou a mama esquerda aos 36, alerta a filha Marta, 8 anos, sobre os perigos da doença. “Havia casos na família. Para agravar, fui fumante, minha vida era estressante e eu comia mal. Se soubesse o que sei hoje, provavelmente não precisaria fazer a mastectomia”, conta.

Existem ainda testes genéticos, feitos em poucos laboratórios, para investigar se há mutações nos genes ligados à enfermidade. A presença de alterações indica 90% de chances de aparecimento do tumor até os 80 anos. As estratégias para controlar a ameaça incluem mudanças no estilo de vida e o uso de substâncias para prevenir o câncer. Pesquisas indicam, por exemplo, que o remédio raloxifeno reduz os casos em grupos de alto risco. Mais usada nos Estados Unidos e alvo de polêmicas, a retirada dos seios antes que apareça o tumor é uma opção radical. “É só para mulheres em situação de altíssimo risco”, explica o médico Miguel Froimtchuk, da clínica Oncologistas Associados, no Rio.

Em relação a outro câncer feminino, o de colo de útero, a situação é crítica no Brasil, embora a enfermidade seja de fácil prevenção. Como a maioria dos casos surge devido à infecção pelo papilomavírus humano (HPV), por contato sexual, o uso de preservativos evitaria o problema. De acordo com o Hospital do Câncer, entre 15% e 25% das brasileiras estão contaminadas. Muitas sem saber. Outro agravante: parte da população não faz com regularidade o papanicolaou, que deve ser anual para a mulher que iniciou a vida sexual. Com o diagnóstico precoce, a cura é garantida para mais de 90% das pacientes. Para conter o problema, uma solução é a vacina contra o HPV. Em Porto Alegre, testes com esse produto estão em andamento desde a semana passada. É uma boa notícia.

Preconceito – Entre os homens, um dos problemas mais sérios é o câncer de próstata. É o segundo mais frequente (perde para o de pele não-melanoma). Muitos casos são detectados tardiamente porque há preconceito em relação ao exame de toque, um dos testes preventivos. Nesse caso, o médico avalia a presença de nódulos para saber se existe risco de tumor. Há outro exame: o PSA. Ele mede a taxa da proteína PSA, que se eleva muito com o aparecimento do tumor. Para a prevenção ser eficaz, os homens têm de realizar os dois exames a partir dos 50 anos. Quem tem parentes próximos com o problema deve fazê-los aos 40 anos. São rotinas salvadoras. “De cada seis homens um terá o tumor”, calcula Miguel Srougi, professor da Unifesp. Se ele for detectado no início, há 85% de chances de cura. Basta fazer uma cirurgia ou radioterapia – aplicação de partículas de energia – para eliminar o tumor. Se a detecção demorar, as expectativas caem para 30%. Com o tempo, o tumor se estende para fora da próstata. “Nesse estágio fica difícil eliminá-lo completamente”, explica.

Há mais um mal a ser combatido. Apesar das mudanças na história da doença, a mentalidade da população continua a mesma da década de 60. É o que frisa a oncologista Inez Gadelha, da direção geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Naquela época, o diagnóstico positivo era quase uma sentença de morte. “É preciso investir na mudança desse imaginário para que as pessoas não tenham medo de fazer um exame e descobrir um tumor”, afirma. Além disso, o abatimento prejudica a saúde emocional. Estudos mostram que a depressão pode colaborar para a queda das defesas do organismo. Quem sofre de câncer precisa, antes de mais nada, ter disposição de encarar o problema. A doença pode ser curada. O professor Ricardo Silva, 30 anos, de Campinas, é prova disso. Ele teve leucemia (câncer que afeta as células sanguíneas) aos 14 anos. O tratamento durou quatro anos. “Aos 18, tive alta. Hoje só faço exames a cada cinco anos”, diz. Silva não descuida dos exames, tem um cotidiano normal e dá lição de vida até para os mais velhos. “Coordeno um grupo de nadadores master e dou aula de educação física. Para quem me olhava com cara de morte deve ser uma surpresa”, afirma. E que boa surpresa.

Colaboraram: Lena Castellón e Lia Bock

Ataque à bexiga

Um dos problemas do câncer é quando a doença se espalha e atinge outros órgãos (metástase). Os tumores agressivos são mais propensos ao fenômeno. É o caso do tumor de bexiga, que acometeu o governador de São Paulo, Mário Covas, em 1998. Nesse tipo de câncer, as células atingem os músculos do órgão. “Para esses casos, o melhor tratamento é uma cirurgia que retira a bexiga”, informa Miguel Srougi. Depois, uma das opções é construir uma bolsa com parte do intestino para substituir a bexiga. Após a operação, recomenda-se a quimioterapia. Também são necessários exames periódicos. Mas, se a doença evoluiu, a situação se complica. Isso porque em cerca de 20% a 60% dos casos ela reaparece em outros órgãos.

Paranóia na tevê
Ana Carolina Fernandes/
Folha Imagem

Diversos temas de novela viram discussão. É o que ocorre com a leucemia da personagem Camila, de Laços de família. Os telefones dos centros para doação de medula – uma das formas de tratamento – não param de tocar. As pessoas procuram esses serviços motivadas pelo medo, vontade de ajudar ou curiosidade. E os consultórios estão recebendo pacientes cheios de dúvidas. “Muitas das gestantes que atendo estão preocupadas. Elas querem saber se a gravidez induz à leucemia, já que a personagem estava grávida quando descobriu a doença”, conta Luís Fernando Aguiar, ginecologista de São Paulo. É uma espécie de cancerofobia.

Uma das perguntas que a novela mais gera é como se prevenir do mal. Porém, não há prevenção para a leucemia. “Estudos procuram as causas da doença em fatores ambientais e genéticos, entre outros, mas ainda não há comprovações”, diz a especialista Sílvia Brandalise, do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP). Outra dúvida envolve o transplante de medula, só necessário nos casos mais graves. A principal arma para o sucesso do tratamento continua sendo a rapidez do diagnóstico.

Na novela, Camila raspou a cabeça e comoveu o público. Foi uma forma de mostrar que perder a cabeleira é comum entre os pacientes de leucemia que fazem quimioterapia. De acordo com a pesquisadora de telenovelas Maria Lourdes Motter, da Universidade de São Paulo, esse tipo de cena tem efeito positivo. “Isso serve de informação e orientação”, diz.