A história recente da empresa canadense de telecomunicações TIW é representativa da crise da Nova Economia. Com presença marcante no Brasil, a companhia nunca teve lucro, mas, até o ano passado, empolgava hordas de investidores. A TIW é o braço internacional do grupo Telesystem, controlado pelo quebequense Charles Sirois. Este detém um distante terceiro lugar no mercado celular canadense, muito atrás da Rogers Communications e da estatal Bell Cellular.

Sua empresa canadense de telefonia celular, a Microcell, tem menos assinantes (922 mil no final de 2000) que a brasileira Telemig Celular (1,24 milhão na mesma data) e apenas 23% das linhas nas regiões do Canadá em que atua. Como essas áreas cobrem 55% da população do país, sua participação real no mercado é de meros 12%. Em comparação, a maior operadora celular do mundo, a China Telecom, tinha 39 milhões de assinantes em 1999 e a Telefónica (número 13), 9,1 milhões. Ou seja, no contexto mundial, a Telesystem é uma operadora de médio porte, mesmo contando com os 3,9 milhões de clientes internacionais da TIW. Destes, mais da metade (60%) está no Brasil: 1,04 milhão na Telemig, 563 mil na Amazônia Celular (antiga TeleNorte), 330 mil na Americel (Centro-Oeste) e 422 mil no Telet (Rio Grande do Sul).

Debacle – Até dezembro de 1999, a TIW havia acumulado US$ 577 milhões em prejuízos (incluindo US$ 101 milhões devido a perdas com desvalorizações dos países onde opera), número que em setembro de 2000 chegou a US$ 922 milhões. Os resultados vêm sendo negativos em mais de US$ 100 milhões anuais (da ordem de US$ 2 por ação), mantendo o patrimônio líquido próximo de zero, apesar de frequentes aportes de capital. Em dezembro de 1999, o endividamento atingia 6.938%.

Mesmo assim, no início de 2000 a ação era cotada em nada menos que US$ 51, mais de cem vezes seu valor contábil. A telefonia celular fazia parte da chamada Nova Economia, em que indicadores como valor patrimonial e lucro por ação nada significavam. Tais empresas tinham certeza de que, independentemente de seu desempenho financeiro, o mercado pagaria preços cada vez mais altos por todas as ações que quisessem emitir.

Em abril de 2000, a TIW fez um lance temerário até pelos padrões da Nova Economia: arrematou uma das concessões britânicas da terceira geração (equivalente às nossas bandas D e E) por 4,3 bilhões de libras (cerca de 7 bilhões de dólares), quando seu valor de mercado (ainda perto de 30 dólares por ação) era de apenas US$ 2,1 bilhões. Mas os dias de glória da Nova Economia já estavam passando. Pouco depois da participação no leilão britânico, as ações da TIW despencaram, mas ainda se sustentaram de maio a setembro em torno dos 20 dólares. Muitos analistas continuavam recomendando a compra dos papéis, apostando que seus preços voltariam a ser da ordem de 50 dólares no prazo de um ano.

Em outubro, entretanto, a Bolsa de Valores eletrônica Nasdaq já estava numa clara trajetória descendente e, para piorar, a TIW tinha más notícias. Os prejuízos superavam os dos anos anteriores e as expectativas dos analistas de investimento, devido aos gastos com a implantação de sistemas de radiocomunicação na Europa ocidental e a mercados mais fracos que os esperados nos países em que a empresa atua. Até os especuladores mais agressivos ficaram desanimados. As ações despencaram. No auge da crise, chegaram a US$ 3,50, em dezembro de 2000. Hoje estão em US$ 5,25. A queda de 85,5% nas cotações significou o sétimo pior desempenho da Bolsa de Toronto no ano passado.

No Brasil – Atualmente, a TIW, de acordo com analistas do mercado de capitais, quer se desfazer de seus negócios no Brasil para concentrar seus investimentos no mercado europeu. Além disso, está para divulgar no Canadá e nos EUA o prospecto de um novo aumento de capital de US$ 238 milhões. Em dezembro de 2000, o presidente da Americel confirmou que a TIW contratou o banco Chase Manhattan para calcular o valor dela e do Telet. Para os analistas do Deutsche Bank, a Americel vale US$ 480 milhões e o Telet, US$ 700 milhões. Dois meses antes, seus sócios nessas empresas, Opportunity e Citicorp, já haviam colocado à venda suas participações. A Bell Canada seria o mais provável comprador, embora não tenha confirmado a negociação.

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Com faturamento de R$ 180 milhões, a Americel teve um prejuízo operacional de R$ 34,6 milhões em 1999, que, consideradas as despesas financeiras, sobe para R$ 156 milhões. O Telet, que obteve uma receita de R$ 65 milhões, amargou um prejuízo operacional praticamente do mesmo valor, R$ 65,7 milhões. Em contraste, as operadoras da banda A, de que a TIW também participa, mas são administradas pelo Opportunity, pela Telemig e pela Amazônia Celular (ex-Tele Norte), tiveram lucros operacionais de R$ 171 milhões e R$ 307 milhões, respectivamente. Os resultados líquidos foram muito pequenos, mas positivos. As empresas estão muito menos endividadas. Na verdade, são as únicas subsidiárias da TIW no mundo com lucro operacional – as européias também têm registrado grandes perdas.

Isso não é tão surpreendente: com a desvalorização e depois a introdução do celular pré-pago, o mercado brasileiro passou a render muito menos (principalmente em dólares) do que se esperava. As empresas da banda A, que herdaram a estrutura da Telebrás e haviam saído na frente na conquista do mercado, saíram-se melhor. Mas as da banda B encontraram uma demanda menor e concorrentes mais competentes do que esperavam. Saíram-se mal.

Aposta – Na Europa ocidental, a TIW tem 248,4 mil assinantes de radiocomunicação ou trunking – um número comparativamente pequeno, mas potencialmente mais lucrativo a longo prazo, pois visa pessoas jurídicas e usuários intensivos. Não precisa se preocupar com a concorrência dos pré-pagos, com a inadimplência, com as agruras das classes populares e, principalmente, com a disposição destas de contrariar os investidores, usando seus aparelhos quase só para receber chamadas. Sob esse aspecto, a empresa talvez tenha razão em concentrar seus recursos na Europa.

Quanto à licença da terceira geração no Reino Unido, é uma incógnita: o sistema ainda não foi realmente inaugurado em lugar nenhum do mundo e ninguém sabe se seu uso efetivo justificará os preços astronômicos pagos pelas concessões européias, responsáveis pela depressão generalizada das ações de empresas internacionais de telefonia celular no final de 2000. Pode ser a salvação da TIW (e de outras em situação semelhante), mas também sua catástrofe definitiva. 

A fraude no Brasil

Quando o governo brasileiro fixou as regras para os leilões da banda B, em 1997, exigiu que os consórcios incluíssem sócios com experiência comprovada em telefonia celular, concretizada num determinado número mínimo de assinantes em outros países do mundo. O consórcio Telet, com a participação da TIW, foi acusado pela concorrência de cometer fraude, ao fazer uma associação inexistente para concorrer a áreas para as quais se exigia um mínimo de 1,8 milhão de assinantes.

A TIW propriamente dita ainda não operava um só aparelho em todo o mundo. O grupo Telesystem tinha experiência em telefonia de longa distância, mas sua operadora celular no Canadá era uma recém-nascida (no final de 1997, tinha apenas 65 mil assinantes). Para forjar o número exigido, a Telesystem recorreu à ajuda da concorrente Rogers Communications (cerca de 1,5 milhão de assinantes), que colocou uma participação minoritária na TIW. Além disso, criou no paraíso fiscal de Barbados a TIW Brazil, uma associação de fachada com a operadora TRI Celcom, da Malásia, que tinha outros 860 mil assinantes.

Em 3 de julho de 1997, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, decidiu retirar o Telet da concorrência pelas áreas da Grande São Paulo, interior e Rio de Janeiro, mantendo-o na disputa de outras para as quais as exigências era menores. Os advogados apelaram ao Supremo Tribunal de Justiça, que lhes deu apoio, mas, no caso da Telet – apesar da intervenção do primeiro-ministro do Canadá, que expressou total apoio à empresa e assegurou sua competência –, Motta recorreu ao tribunal e manteve a desqualificação parcial do consórcio. Mais tarde, disse publicamente que o Telet havia montado uma farsa.

Desqualificado das áreas mais disputadas, o Telet acabou arrematando o Rio Grande do Sul, para onde a suposta sócia malaia nunca enviou um só técnico. Tornou-se uma das operadoras mais deficitárias da telefonia celular brasileira, mostrando tanto os riscos de um grupo se lançar a várias operações simultâneas numa área em que é inexperiente quanto a relativa facilidade de se contornarem disposições formais para inibir essa prática.