A Aracruz Celulose, maior produtora mundial de celulose branqueada, quer construir um terminal de barcaças na foz do rio Caravelas, Sul da Bahia, para escoar pelo mar toras de eucaliptos com destino à sua fábrica no Espírito Santo. O projeto inteiro prevê investimentos de R$ 77,4 milhões. Ambientalistas e pesquisadores afirmam que o empreendimento possui um grande potencial de impacto ambiental e, se não forem tomados os devidos cuidados, pode pôr em risco uma enorme área de manguezais e recifes de corais, incluindo toda a fauna que esses ecossistemas sustentam. A preocupação se torna ainda maior devido à proximidade da região com o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos – um grande santuário ecológico escolhido como maternidade pelas baleias jubarte. O Estudo de Impacto Ambiental e o consequente relatório já foram concluídos e estão sendo analisados pelo Centro de Recursos Ambientais do Estado.

Sedimentos – Para operar o terminal, será necessária a dragagem de um trecho com mais de um quilômetro de extensão próximo ao Canal do Tomba – uma passagem natural no mangue entre o rio Caravelas e o oceano. A calha vai ser rebaixada até atingir cinco metros de calado (profundidade), permitindo assim a passagem das barcaças. Atualmente, essa região fica com meio metro na maré baixa, o que impede o trânsito das embarcações previstas para o transporte da carga.

O projeto prevê a retirada de cerca de 700 mil metros cúbicos de sedimentos em um primeiro momento e mais 45 mil a cada dois anos para a manutenção, uma vez que o acúmulo de areia é constante. A alteração no manguezal e a dragagem vão levantar uma “nuvem de poeira” subaquática que pode prejudicar todo o interligado ecossistema da região. De acordo com o oceanógrafo Sérgio Fantini, administrador da Área de Preservação Ambiental da Ponta da Baleia-Abrolhos, “tanto a vegetação e a fauna do manguezal quanto os corais próximos à costa são ecossistemas frágeis e fundamentais ao equilíbrio ambiental regional.”

Segundo Henrique Horn, diretor do Parque Nacional dos Abrolhos, a nuvem de poeira pode atingir e prejudicar os bancos de corais costeiros, como o Parcel das Paredes – um dos maiores conjuntos do mundo. A professora Yara Schaeffer-Novelli, do Instituto Oceanográfico da USP, vai mais longe: a dragagem pode atingir Abrolhos. “A conservação dos manguezais de Caravelas torna-se ainda mais imperiosa devido a sua associação com o Parque Nacional. No caso da perda da área de manguezal, haverá maior deslocamento de suspensão para as águas costeiras, comprometendo a sobrevivência dos organismos da fauna e flora formadores dos recifes de coral. O excesso de suspensão pode causar entupimento dos corais, com efeitos letais para o ecossistema”, alerta Yara.

Outro problema é a destinação dos sedimentos retirados do fundo do canal. Eles não podem ser jogados em qualquer lugar. A região está rodeada por delicadas estruturas que não suportariam o despejo de 700 mil metros cúbicos de lama pesada. Muito menos, poderiam ser jogadas em alto-mar. De acordo com Alberto Carvalho, responsável na Aracruz pelo projeto, os manguezais não serão afetados e a suspensão não irá atingir os bancos de corais. “Vamos programar a dragagem nos meses em que não há pesca de camarão para não atrapalhar os pescadores”, afirma. “O bota-fora será feito no mar, um quilômetro ao sul do ponto de dragagem, não trazendo risco para a região.”

Baleias – Para os ambientalistas, o trânsito das barcaças também requer atenção, pois a rota de navegação – que ficará a cargo de outra empresa, a Norsul – passa por área de incidência de baleias. Uma embarcação sozinha transporta 6,5 mil metros cúbicos de toras de madeira – o que corresponde a 105 carretas. De acordo com Ana Freitas, coordenadora do Projeto Baleia Jubarte, existe o perigo de colisão com grupos de mães e filhotes que se aproximam da costa para buscar abrigo.

“Esses grupos surgem algumas vezes a apenas 5 milhas do continente. Além disso, desde 1991, baleias franca também têm frequentado a área. Já avistamos algumas delas até na entrada da Barra de Caravelas, a 500 metros da costa,” aponta Ana. A Aracruz informou que o tráfego seria de duas balsas por dia. Teme-se que a reprodução das baleias jubarte seja prejudicada pelo ruído das barcaças. O barulho dos motores, se for alto, pode atrapalhar o canto dos machos, parte do ritual de acasalamento da espécie. A Norsul se comprometeu a realizar um estudo de rotas entre julho e dezembro, época de maior incidência desses animais.