24/01/2001 - 10:00
Laurent Desiré Kabila, o presidente da República Democrática do Congo (RDC, ex-Zaire), está morto. O líder guerrilheiro, 60 anos, que subiu ao poder em maio de 1997, depois de uma alucinada investida pelo país que culminou com a queda da velha ditadura de Mobutu Sese Seko, foi abatido a tiros. Na terça-feira 16, Kabila foi alvejado por um de seus guarda-costas, durante uma tentativa de golpe de Estado. Sua morte chegou a ser desmentida várias vezes, mas finalmente na quinta-feira 18 foi confirmada em rede de televisão pelo governo congolês. “Uma junta de oficiais do exército procurava ganhar tempo, dizendo que o presidente estava em recuperação num hospital. Enquanto isso, seu filho Joseph Kabila assumiu o poder temporariamente”, disse a ISTOÉ um representante do governo americano na ONU. “Pelas ruas da capital, Kinshasa, ninguém acreditava que Kabila ainda vivia”, relatou em entrevista por telefone Amarildo Ferreira de Sousa, engenheiro brasileiro da multinacional Arcol-Mines, no Congo.
A situação em Kinshasa é tensa, mas sem tiroteios. “Por ora, parece que estamos na calmaria que antecede a tempestade”, afirmou Amarildo. O coronel Edy Kapend, comandante do Estado-Maior do país, formou um governo provisório com o jovem herdeiro de 31 anos, Joseph, para evitar o caos decorrente de um vácuo no poder. Suas preocupações são com os três grupos rebeldes que lutam contra o governo e os países vizinhos que movem guerra aberta contra Kabila. “O que se imagina é que toda a região da África Central corra grande perigo, caso a situação fique fora de controle. Tanto que todos os rivais fizeram questão de reafirmar o acordo de paz assinado em meados de 1999”, disse Kamel Morjane, o enviado da ONU a Kinshasa. Até hoje este acordo não aconteceu na prática. Kabila foi sempre apontado como o maior responsável por esta situação. Ele jamais cumpriu com os acertos e ainda bloqueou o envio de tropas de paz, conforme previa o acordo. Agora, com a morte de Kabila, existe a esperança de que os cinco mil soldados da ONU possam ser enviados.
A verdade é que o Congo continua sendo o epicentro daquela que pode ser considerada a primeira grande guerra pan-africana. Cerca de meia dúzia de países da África Central estão lutando entre si pela primazia de pilhar os fabulosos recursos naturais das várias regiões do país (leia mapa). Uganda, Ruanda e Burundi eram contra Kabila, enviando armas, soldados e alimentos para os rebeldes. Ruanda e Uganda chegaram a apoiar o líder guerrilheiro quando ele derrubou Mobutu, mas o traíram e hoje esses países controlam o leste do Congo. Por outro lado, Angola, Namíbia e Zimbábue estavam ao lado do presidente congolês e recebiam em troca concessões de extração de minerais. “Era impossível se fazer qualquer trabalho de exploração, seja de diamantes, óleo, urânio, madeira e outros recursos, contando apenas com negociações com o governo de Kabila. Cada região do país é controlada por forças diferentes. E são esses países que decidem o modus operandi em seus domínios. Fora isso, existem centenas de senhores de guerra – líderes de gangues, que também estabeleceram pedágios de Norte a Sul. Kabila controlava uma pequena parcela da nação. E seus domínios estavam cada vez mais encolhidos”, explica Amarildo Ferreira, acostumado a negociar com as forças rivais.
Depois de dois anos e meio de governo, Laurent Kabila demonstrou que não tinha a menor intenção de cumprir as promessas de resgatar o Congo da situação de penúria, autoritarismo, cleptocracia e barbárie há tempos estabelecida por colonizadores, como o rei Leopoldo II da Bélgica, e ladrões domésticos como Mobutu Sese Seko, que esteve no poder por 32 anos. Kabila, um seguidor de Patrice Lumumba, o último governante legitimamente eleito no Congo, em 1960, apenas mudou o nome do país, de Zaire – como queria Mobutu – para Congo. “Pode-se dizer que o governo revolucionário conseguiu piorar ainda mais as coisas”, diz Amarildo. Nada menos do que dois milhões de congolenses deste país de 50 milhões de habitantes se refugiaram além das fronteiras.
Leão-de-chácara – Laurent Kabila sempre foi o mestre das ilusões. Ainda jovem, em 1964, ele causou boa impressão no argentino Ernesto Che Guevara. O papa revolucionário procurava estabelecer uma frente de luta marxista no Congo e, numa análise prematura, acreditou que Kabila poderia ser seu principal parceiro. Mas o tempo desgastou o fino verniz de ilusão que revestiu Kabila. Che saiu do Congo decepcionado com o comandante africano. “Kabila não é sério. Ele deveria se dedicar apenas a ser leão-de-chácara de bordéis, sua verdadeira vocação”, disse Che. Mais de 30 anos depois, o mundo caiu na mesma esparrela ao ver Kabila tomar o poder em 1997. Quem esperava redemocratização foi surpreendido pela feroz perseguição das forças políticas de oposição ao falecido ditador. E o Congo continua pulsando como o coração das trevas. Mobutu – que se auto-intitulava “O Leão do Zaire” – fora substituído por Laurent Kabila, um leão-de-chácara que se vai.