Joan Miró – A Força da Matéria/ Instituto Tomie Ohtake, SP/ de 24/5 a 16/8

Aos 36 anos, após uma temporada de cinco anos de estudos de pintura e saraus surrealistas em Paris, Joan Miró (1893-1983) voltou às raízes. Estabeleceu-se na casa de campo da família em Mont-Roig, povoado de Tarragona, a cem quilômetros de Barcelona, e começou uma série de trabalhos em papel e colagens. Entre eles, “Árvore ao Vento”, desenho em guache e carvão que inspirou e ilustrou um artigo do amigo Michel Leiris, etnógrafo e escritor surrealista, publicado na revista “Documents”, em 1929. No texto, Leiris exalta a precisão sintética do desenho de Miró, comparando-a aos exercícios místicos dos monges e arqueiros tibetanos. Segundo o etnógrafo, ambas as práticas consistem, basicamente, em “compreender o vazio”, isto é, observar uma cena e extrair dela todo excesso, até não sobrar nada. O próximo passo seria, então, reconstruir a paisagem utilizando o mínimo necessário. Foi dessa forma – agindo com precisão e austeridade – que o artista formatou a linguagem de signos que o consagrou como um dos mais importantes artistas do século 20.

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FORA DA CURVA
O pintor Joan Miró, que fez do surrealismo uma ponte entre a matéria e o espírito
criando uma obra independente de todas as vanguardas de seu tempo

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COMEÇO
A tela "Grupo de Personagens no Bosque", de 1931, é uma das pinturas mais
antigas da mostra que abre no domingo 24 em São Paulo

“Árvore ao Vento” não viajou para o Brasil, mas, em “Miró, a Força da Matéria”, a maior mostra do artista catalão já realizada no Brasil abre no domingo 24 no Instituto Tomie Ohtake e segue, em agosto, para o Museu de Arte de Santa Catarina, em Florianópolis há um recorte de mais de cem importantes obras. Os públicos das duas cidades poderão, como nunca antes foi possível no Brasil, se lançar à leitura dos signos e dos vazios de Joan Miró. “O artista constrói uma linguagem universal, capaz de falar ao espectador com elementos aparentemente simples e de se manifestar com os materiais mais singelos”, aponta Rosa Maria Malet, diretora da Fundação Miró, de Barcelona. Esses elementos que, a saber, representam as coisas do céu e da terra, orbitam as composições pictóricas do artista como textos poéticos. O artista afirmava que queria alcançar com sua obra até onde a poesia chegava. A afinidade com as letras aproximou-o de poetas como André Breton, Tristan Tzara, o catalão Joan Brossa e o brasileiro João Cabral de Melo Neto, que dedicou-lhe um ensaio nos anos em que viveu como diplomata em Barcelona. “À importância que os poetas davam ao ruído de uma consoante, Miró respondia com o interesse pelos veios da madeira ou pelos acidentes da matéria sobre a qual pintava”, afirma Rosa Maria. Este é precisamente o aspecto que norteou a curadoria da exposição: demonstrar a importância que Miró dava à matéria, com um fim em si mesmo.

Na seleção de obras figura grande variedade de suportes sobre os quais o artista trabalhou: telas, mais ou menos rústicas; madeiras de várias procedências; e papéis, das mais variadas espécies, até perfurados ou impressos, como “Cão”, de 1978. A exposição confirma a tese dos especialistas da Fundação Miró, que atribuem a pintura matérica e o informalismo de gerações posteriores de artistas catalães como Antoni Tápies, à influência direta de Miró.

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FIM
Sintéticas, "Cão", de 1978 (acima), e "Cabeça", de 1979 (ao lado), representam
a última fase da produção de Miró, que morreu aos 90 anos em Palma de Maiorca

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Mesmo que tenha inspirado outros, Miró nunca foi de fato influenciado pelas vanguardas de seu tempo, ainda que tenha se relacionado com elas. Segundo os guardiões de sua obra, preferiu “fazer seu próprio caminho”, delineado pelos ventos, as oliveiras, as alfarrobeiras de Tarragona e os azuis de Palma de Maiorca, terra de sua mãe, para onde ele se mudou em 1956 e onde hoje vivem seus herdeiros, que há apenas dois anos inauguraram a Fundação Pilar e Joan Miró em um belíssimo edifício projetado pelo arquiteto espanhol Rafael Moneo.

Sob “a pura, diáfana e cristalina luz do céu mediterrâneo”, segundo definição de Joan Punyet-Miró, neto do artista, seu avô pôde reler os espiritualistas San Juan de La Cruz e São Francisco de Assis e depurar uma linguagem em que o local e o universal se encontram. E mesmo que seu outro neto, Teo Miró, reclame que Palma já não tenha muitos pássaros, podemos entender que o pintor, como as aves de suas composições, transitou sempre entre dois mundos: da matéria e do espírito.