Nos últimos anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem se especializado em fazer previsões furadas. O órgão errou no diagnóstico da crise dos subprimes americanos, em 2008, calculou mal os danos que o excesso de austeridade provocaria na economia grega – o que contribuiu para levar a Europa para a maior crise financeira em décadas – e subestimou a força dos países emergentes. Na semana passada, deu mostras de que não perdeu a mania de palpitar sobre a economia alheia. Em relatório apresentado pela equipe da diretora-geral Christine Lagarde, o Fundo até elogiou as medidas de ajuste fiscal defendidas pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas declarou que é preciso fazer muito mais para atingir os objetivos. Pelos cálculos do FMI, a meta de superávit primário (expressão do economês que, em linhas gerais, significa a quantidade de dinheiro que o governo consegue economizar para pagar os juros da dívida) deveria ser de 2,5% do PIB e não 2%, como quer Levy. Índices elevados demais do superávit podem vir junto, muitas vezes, de aumentos excessivos de impostos. Ou seja, sempre quem paga a conta são os brasileiros – e o FMI, do alto de sua soberba, sugere que a fatura seja ainda maior.
Os economistas estimam que, se o ajuste fiscal proposto por Levy for aprovado sem mudanças, a carga tributária terá um aumento de 0,8 ponto percentual em 2015. Em cifras, quer dizer que a facada do governo irá subtrair R$ 47,5 bilhões do bolso dos contribuintes. Desse total, R$ 29 bilhões serão pagos por empresas, R$ 10,8 bilhões por pessoas físicas e R$ 7,7 bilhões por Estados e municípios. Outra conta dimensiona a mordida a longo prazo. Nos quatro anos de mandato de Dilma, pelo menos R$ 100 bilhões dos R$ 200 bilhões previstos pelo ajuste fiscal serão captados por intermédio do aumento de impostos.

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CONFRONTO
Lagarde e Levy: ela vem ao Brasil nos próximos dias
para debater a alta inflacionária

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Um exemplo simples demonstra como a alta tributária afeta o bolso dos consumidores. Desde o começo do ano, o fim da desoneração do IPI de automóveis (a alíquota subiu de 3% para 7%) aumentou o preço final dos carros em 4,5%, em média. Se há cinco meses você pagava R$ 30 mil por um modelo 1.0, agora o mesmo veículo sai por R$ 31.150. A diferença pesa no bolso e afasta potenciais compradores. Como as pessoas consomem menos, as empresas perdem dinheiro. Num primeiro momento, elas deixam de investir. No segundo, demitem. Com menos cidadãos empregados, cai o número de interessados em adquirir um automóvel. O nome que se dá a isso é recessão. Obviamente, o governo precisa fazer correções de rumo – as projeções pessimistas do PIB estão aí e não deixam mentir. Por isso mesmo, o ajuste fiscal é bem-vindo. Mas também é verdade que um aumento exagerado no apetite tributário terá um efeito ainda mais devastador para uma economia já debilitada.

Os especialistas acham que o governo tem um longo e temerário caminho pela frente. “É muito fácil o FMI pedir aumento de meta do superávit, mas não dizer como fazer isso”, diz o consultor econômico Mansueto Almeida Júnior, que atuou por mais de 15 anos na área de planejamento e pesquisa do Ipea. “Já vai ser uma grande vitória cumprirmos a meta de 2% em 2016”, diz ele. “Para conseguir o que pretende, o governo vai ter de aumentar ainda mais impostos”, prevê Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper. Se aprovadas as Medidas Provisórias 664 e 665 pelo Congresso, em breve as empresas vão pagar mais caro para manter seus funcionários e será difícil obter benefícios como seguro desemprego e pensão por morte. “O ajuste fiscal é dolorido, mas seria muito pior se o governo não fizesse nada, porque teríamos uma crise aguda”, afirma Lisboa.

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Outra dificuldade para alcançar a meta fiscal são os gastos do governo. A principal “gordura” imediatamente eliminada foram os investimentos, principalmente do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. A longo prazo, porém, o melhor caminho é aumentar a eficiência da máquina pública. “O PT aparelhou o Estado, que ficou inchado com cargos de comissão e pessoas não técnicas dirigindo os órgãos”, diz Gilberto Luiz do Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). “Em vez de melhorar a gestão pública, a conta foi imediatamente jogada para o cidadão e para as empresas.”

Se no passado recente o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fazia pouco caso dos comentários do FMI, hoje a situação é diferente. Levy tem ótima relação com Lagarde. Durante a reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional, que aconteceu em Washington em abril, ela elogiou a política econômica de Levy. Agora, os laços serão fortalecidos. Na semana passada, o FMI anunciou que sua diretora-geral vem ao Brasil entre os dias 20 e 22 de maio para participar do seminário promovido anualmente pelo Banco Central sobre o regime de metas de inflação. No encontro, Lagarde poderá palpitar à vontade sobre os rumos da economia brasileira.

Fotos: SAUL LOEB/AFP; Valter Campanato/Ag. Brasil