A classe média de Buenos Aires, orgulhosa de viver na “Paris das Américas”, acaba de sofrer mais um ataque a seu ego. O presidente, Fernando De la Rúa, pressionado por problemas financeiros, teve que colocar à venda sua casa no bairro mais charmoso da cidade, Recoleta. Para o comprador, o preço é de ocasião: US$ 340 mil. Para o vendedor, no caso o presidente da República, é quase uma decisão desesperada que, em vez de aliar De la Rúa à classe média alta, que também enfrenta a decadência financeira, levanta uma enorme indagação na cabeça dos argentinos: se ele, que é presidente, está tropeçando em suas finanças pessoais, o que será das finanças do país?

Que não seja o que aconteceu na província de Entre Rios, localizada na fronteira com o Uruguai. Lá, por absoluta falta de dinheiro, o governador, Sergio Montiel, suspendeu por três dias, a partir da quarta-feira 26, quase todas as atividades da administração pública. Deixaram de funcionar as escolas, repartições e empresas públicas. Somente os hospitais permaneceram abertos, ainda assim apenas para atender emergências. A crise de Entre Rios retrata, de certa maneira, a crise do país. A província tem uma dívida (US$ 980 milhões) equivalente a mais da metade de seu orçamento, uma taxa de desemprego que, somada à do subemprego, chega a 55,8% (no país, a taxa de desemprego atinge 20,7%). Os salários dos funcionários públicos estão atrasados e a população, 1,1 milhão de habitantes (dos quais 16,1% indigentes), já começa a se rebelar.

Na quarta-feira em que Entre Rios parou de funcionar, o presidente De la Rúa fez um apelo aos bancos para que reduzam os juros nos créditos, dando, assim, condições à população de voltar a consumir num nível adequado, facilitando o caminho para a retomada do crescimento. É uma convocação difícil de ser cumprida. Os argentinos da classe média estão com medo de gastar. Reduziram até o consumo de sorvetes, levando a tradicional rede Freddo, líder na venda de sorvetes artesanais, a afundar. Comprada em 1998 por US$ 82 milhões, a Freddo está sendo oferecida por US$ 21 milhões. Uma pechincha. A rede, como a casa do presidente, não está encontrando compradores.

Aos argentinos, De la Rúa não usou meias palavras. Recorrendo ao exemplo dos Estados Unidos, que depois dos atentados deslancharam uma campanha informal com a mensagem de que é necessário continuar consumindo, pediu a seus compatriotas que sigam o exemplo e, comprando, vençam o medo da retração. Ele só não disse onde os argentinos vão arrumar dinheiro. A Argentina atravessa um dos períodos de maior retração econômica de sua história. Os mais recentes indicadores são todos negativos e a previsão é de que a economia do país encerre o terceiro trimestre com a terceira queda consecutiva, talvez a maior.