O terror existe desde sempre. Até o Brasil, famoso por sua vocação pacifista, já foi alvo de planos terroristas. Do outro lado, articulando o ataque, estava a Argentina. Interessada em provocar o caos no Rio de Janeiro, a vizinha aderiu a uma operação que envolvia o levante de tropas mercenárias alemãs a serviço do governo brasileiro. Em ação coordenada, ocorreria o sequestro de d. Pedro I. Numa fase posterior, seria declarada a república de Santa Catarina, que ficaria sob o protetorado argentino. Mantido em segredo por quase dois séculos, o plano fracassou devido à interferência do Reino Unido, entre outros fatores. Mas agora é revelado em minúcias pelo diplomata Sergio Corrêa da Costa, no livro Brasil, segredo de Estado – incursão descontraída pela história do país, da Editora Record.

“Nenhum país está isento de instruir seus agentes para ações irregulares na retaguarda do inimigo”, comenta Costa. “Nesse episódio da Argentina, o que me deixa estupefato é que um tratado com os mercenários foi assinado pelo próprio presidente.” Dono da cadeira número sete da Academia Brasileira de Letras, o diplomata acaba de doar à instituição reproduções feitas nos anos 40 de documentos que comprovam o relato. “São placas fotográficas, em lâmina de vidro, o recurso da época”, lembra. “James Bond ainda não havia ensinado como se faz certas coisas.” Entre os documentos está o tratado, descoberto por ele em seção reservada do Arquivo Nacional argentino. Não foi uma missão fácil. Durante meses, Costa visitou o arquivo diariamente, simulando pesquisar a genealogia de famílias brasileiras. “Um dia tive a oportunidade e cheguei aos documentos secretos”, conta, preservando os detalhes.

Costa descobriu as primeiras pistas sobre o episódio em 1938, quando tinha apenas 19 anos, e havia acabado de entrar para o Itamaraty. Encaminhado para o arquivo do órgão, lá encontrou um único e zeloso funcionário, o seu Manuel. Na falta de orientação, seu Manuel havia empacotado toda a papelada que encontrou pela frente, dividindo-a em três categorias: Diversos, Vários e Miscelânia. À medida que desembrulhava os pacotes, o jovem diplomata descobria pérolas históricas. Algumas tiveram, de imediato, nova destinação. É o caso do Arquivo Militar de Lisboa, que d. João VI esquecera no Brasil e, localizado por Costa, foi devolvido a Portugal. Outras serviram como ponto de partida para cadernos de anotações que o diplomata colecionou em sua longa e bem-sucedida carreira. No Itamaraty, teve como último posto o de embaixador em Washington. Agora com 82 anos, aposentado e vivendo em Paris, o diplomata se dedica a recuperar as anotações feitas durante mais de seis décadas. Tem muita história para contar.