Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB-MG), insiste em entoar o discurso da moralidade e da ética, a sujeira se acumula sob os tapetes verdes da Câmara. O entulho começou a cheirar mal na CPI das Obras Inacabadas, criada para investigar falcatruas em projetos financiados com dinheiro público. Alertados por empreiteiros, que estariam sendo achacados por deputados da CPI que cobravam propina para não investigar suas empresas, Aécio e os líderes partidários resolveram acabar com a comissão. Não colou. O líder do PSDB, deputado Juthay Júnior, veio a público e contou uma história incompleta. Disse que no final da tarde de 14 de setembro teve um encontro com um empresário no aeroporto de Salvador (BA), que lhe afirmou ter sido procurado por um deputado que exigiu R$ 1,5 milhão para tirar sua construtora da mira da CPI. De acordo com a versão de Juthay, quem telefonou para o empreiteiro foi o deputado Norberto Teixeira (PMDB-GO), que teria falado em seu nome e também no do presidente da CPI, Damião Feliciano (PMDB-PB).

Um assessor de Norberto foi escalado para concretizar o achaque. “Isso não é verdade”, reagiu Norberto. “Caiu uma bomba de lama na minha cabeça. Passei de acusador a réu”, reclama Damião.

Apesar de incompleta, a história de Juthay faz sentido. Em 13 de setembro, um dia antes de ele ter se encontrado com o amigo empreiteiro, a CPI esteve em Salvador e Damião recebeu um alentado dossiê sobre as obras de ampliação do Aeroporto Internacional Luiz Eduardo Magalhães, entregue à OAS – empreiteira da família do ex-senador Antônio Carlos Magalhães – com indícios de superfaturamento. A papelada foi entregue pelo empresário Luiz Carlos Anunciação Araújo. O parlamentar prometeu tomar providências, mas nada foi feito. Luiz Carlos era o proprietário de uma área com 131 mil metros quadrados, sobre a qual estão as obras da OAS. O terreno foi desapropriado em 1999, mas nenhum centavo foi pago por ele. Segundo o empresário, recursos do governo federal que deveriam ser usados para o pagamento da desapropriação acabaram caindo na conta da empreiteira, como se fossem pagamentos às obras do aeroporto, suspeitas de custar seis vezes mais do que deveriam. “Não recebi nada porque me recusei a entrar em um jogo de propinas”, revela Luiz Carlos. Desde que percebeu que estava levando um passa-perna, ele passou a gravar suas conversas e possui 20 fitas com diálogos comprometedores, que envolvem o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), o ex-senador ACM, empreiteiras e funcionários do alto escalão do governo baiano.

No dossiê ignorado pelo presidente da CPI, Luiz Carlos afirma que as propostas de propinas são antigas. Em 1999, quando foi assinado o decreto de desapropriação, ele foi chamado pelo diretor de planejamento do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (Conder), Renato Veloso, para negociar a indenização. Para receber alguma coisa, Luiz Carlos teria que assinar um recibo de R$ 15 milhões, mas ficaria apenas com R$ 4 milhões, pagos em dois anos. As terras seriam oficialmente vendidas para a Terval Máquinas, que as repassaria para o governo como pagamento de dívidas de ICMS, e a intermediação do negócio seria feita pela empreiteira Ecil, empresa que pertence a Mário Gordilho, presidente do Conder, e a André Maron, sobrinho de ACM. Uma das conversas com Veloso, na sede do Conder, foi gravada. “Para acertar isso a gente tem que pegar uma empresa devedora do ICMS, mas tem que ter garantias. Essa empresa é a Terval. Só estamos dependendo de ajustar o valor deles para fazer a negociação. Eu estou intermediando isso com o Gordilho e o Maron”, disse Veloso. Na mesma conversa, o empresário questiona se não é possível receber de outra forma, e Veloso responde: “A coisa pode ser paga por indenização, tem o decreto, mas aí é muito mais demorado e o governo pode dizer muitas coisas, até que a terra não era sua.”

“ACM não quer a OAS na CPI” – Como Luiz Carlos não cedeu ao propinoduto sugerido, passou a bater em outras portas para tentar receber. Foi ao Ministério Público, à PF e ao Ministério da Justiça. Acabou caindo nas mãos de dois lobistas com escritório em Brasília: João Kennedy Braga e Mílton Milhomem. Ambos lhe disseram que tinham trânsito junto a deputados da Bahia e conseguiriam resolver o problema na Infraero, empresa do governo federal responsável pelo pagamento das obras de ampliação do aeroporto. Novas propostas indecorosas surgiram. Também essas foram gravadas. Numa das conversas, Milhomem diz que tudo já estava acertado com o deputado José Carlos Aleluia, um pupilo de ACM. “O Kennedy já cobrou empenho do Aleluia. Perguntou para ele no corredor da Câmara: ‘Você não quer ganhar dinheiro? Então tem que agir rápido’. O Aleluia disse que tava tudo resolvido, já acertado com a Infraero e o governo da Bahia. Vão pagar R$ 10 milhões, sendo R$ 5 milhões em títulos do governo que ficarão conosco.” Aleluia nega tudo. Disse que nunca ouviu falar nesse caso e que desconhece os lobistas. “O Kennedy disse que conversou com o ACM, e ele respondeu que iria se empenhar nisso, pois não queria ver a OAS envolvida com a CPI”, conta Luiz Carlos. Na semana passada, quando Juthay fez a denúncia sem dar nome aos bois, a direção da OAS se antecipou e encaminhou uma carta a Damião dizendo que nada tinha a ver com isso.

Se Juthay resolver contar sua história por inteiro, é possível que se explique por que Damião não deu bola ao dossiê de Luiz Carlos. Juracy, irmão do deputado, foi diretor da OAS e pode muito bem ter-lhe contado bastidores da obra inacabada. Pelo menos duas outras empreiteiras teriam sido alvo da cobiça da CPI. Uma delas faz parte do consórcio que toca a megaobra do Rodoanel de São Paulo. A outra atua no Porto de Santos. “Eu ouvi rumores no Congresso, mas não sei de detalhes”, desconversa o deputado Anivaldo Vale (PSDB-PA), relator da CPI. Na terça-feira 25, o presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Humberto Souto, entregou ao Congresso um relatório sobre 121 obras com irregularidades. Depois de embarcarem na onda de acabar com a CPI, as oposições recuaram e estão propondo a retomada das apurações. Só que desta vez sob holofotes.

OUTROS CASOS
Eurico Miranda (PPB-RJ)

Acusado pela CPI do Senado de desviar recursos do Vasco para suas contas pessoais usando “laranjas”

José Aleksandro (PSL-AC)

Suplente de Hildebrando Pascoal, aquele da motosserra, é acusado de ter ligações com o
crime organizado no Acre

José Priante (PMDB-PA)

Acusado de comandar, junto com o primo Jader Barbalho, esquema de propinas para a liberação de recursos da Sudam

Pauderney Avelino (PFL-AM)

Apontado como um dos mentores da farsa amazônica que envolveu o deputado Mario Frota (PDT) em fita falsa

Carlos Santana (PT-RJ)

A CPI da CBF descobriu que a entidade de Ricardo Teixeira financiou sua campanha de forma irregular

 

“Tenho tudo gravado”

O empresário Luiz Carlos Anunciação Araújo gravou todas as conversas que manteve com lobistas e funcionários públicos da Bahia. Ele reafirma que todos tentaram lhe extorquir e assegura que só não recebeu o dinheiro da desapropriação de suas terras porque não concordou com o esquema de propinas.

ISTOÉ – O sr. diz que não recebeu pelas terras desapropriadas para a ampliação do aeroporto porque não participou de um esquema de propinas. Conte detalhes.
Luiz Carlos Araújo – Fui chamado pelo diretor de planejamento do Conder (Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador), Renato Veloso, que precisava das terras para as obras do aeroporto. Eu deveria assinar um recibo de R$ 15 milhões, mas iria receber R$ 4 milhões, em 24 vezes. Teoricamente, quem estaria comprando minhas terras era a Terval Máquinas, empresa que repassaria as terras ao governo em troca de dívidas de impostos, e a intermediação seria feita pela Ecil, empreiteira que pertence ao presidente do Conder, Mário Gordilho, e a André Maron, sobrinho do ex-senador Antônio Carlos Magalhães.

ISTOÉ – O sr. denunciou isso à CPI das Obras Inacabadas?
Luiz Carlos – Quando a CPI esteve em Salvador entreguei ao deputado Damião Feliciano um dossiê. Ele disse que me chamaria para depor em Brasília, mas nada foi feito. Já denunciei isso ao Ministério da Justiça, ao Ministério Público e à PF.

ISTOÉ – Foi feito algum contato político em Brasília?
Luiz Carlos – Contratei o lobista João Kennedy Braga, que ficou de resolver o caso. Ele e seu sócio Mílton Milhomem falaram com políticos da Bahia e disseram que não teria problema.

ISTOÉ – Com quais políticos eles falaram?
Luiz Carlos – Com o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) e até com o ACM, que disse que precisava resolver isso, pois não queria que esta denúncia chegasse à CPI por causa da OAS.

ISTOÉ – Como eram feitos os contatos com os lobistas?
Luiz Carlos – Pessoalmente e por telefone. Tenho tudo gravado. O lobista Mílton Milhomem disse que João Kennedy havia cobrado do deputado Aleluia empenho no processo junto à Infraero. Disse também que Kennedy falou: “Você não quer ganhar dinheiro, Aleluia? Tem que agilizar rápido!” Aleluia teria respondido que tudo estava quase pronto. O Milhomen disse que o deputado estava acertado com o governo da Bahia. O valor da indenização seria R$ 10 milhões, sendo que R$ 5 milhões seriam pagos em títulos do governo da Bahia. Os títulos ficariam com os lobistas, restando para mim apenas R$ 5 milhões.