O esperado contra-ataque americano ainda nem aconteceu e os estragos causados pelos atentados do dia 11 de setembro não param de crescer. Além do impacto na economia global, que já dava sinais de enfraquecimento mesmo antes daquela terça-feira selvagem, do acirramento do preconceito racial, tão cruamente exemplificado pelas execráveis declarações do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, que discorreu sobre a necessidade de se manter a superioridade da civilização ocidental, também está sob ameaça o que de melhor existe num império pródigo em equívocos como o americano – a liberdade.

O discurso que o presidente George Bush fez na sede do FBI em Washington, na terça-feira 25, deixou alguns membros do Partido Democrata, entidades de defesa das liberdades civis e até alguns grupos conservadores de cabelos em pé. Ele informou que, em nome da segurança da pátria na guerra contra o terrorismo, pediu ao Congresso a aprovação de leis que facilitem a deportação de suspeitos, promovam a flexibilização no uso da escuta telefônica e até permitam a aceitação legal de provas conseguidas fora dos EUA por intermédio de meios não aceitos pela Constituição americana. Se aprovadas, essas leis também permitirão que a internet seja devassada, com a privacidade dos e-mails arrombada por um aparato tecnológico de busca do FBI que atende pelo sugestivo nome de “Carnívoro”.

Numa entrevista à CNN, Jerry Berman, responsável pelo Centro para a Democracia e Tecnologia, influente grupo de direitos civis de Washington, disse que pode até haver a necessidade de novos instrumentos legais. Mas, para ele, “existe nisso um sério potencial de danos colaterais à Constituição e às liberdades civis”.

A imprensa também está sendo pressionada. A Voz da América, rede de rádio patrocinada pelo governo, foi censurada na última semana. Ao conseguir um furo com a entrevista do líder do Taleban, o mulá Mohammed Omar, a rede foi impedida de divulgá-la depois que o porta-voz do Departamento de Estado proibiu entrevistas com o mulá enquanto o Taleban continuasse a violar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. O material só foi ao ar depois do protesto dos jornalistas da rede. O Washington Post, aquele que forçou a renúncia do presidente Nixon em 1974, após a invasão dos escritórios do Partido Democrata no prédio Watergate, alerta para os riscos da censura e da autocensura. “Ouvimos frequentemente que a única maneira de vencer os terroristas é nos agarrarmos às liberdades da nação. E isso inclui até o direito a ouvir algo que possa incomodar.”

E o contrário disso é uma reação estúpida à estupidez do terrorismo.