03/10/2001 - 10:00
Observada do alto, a exposição Egito faraônico – terra dos deuses, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp), mostra-se ainda mais impressionante na sua grandiosidade. Todo o segundo subsolo do museu foi pintado no tom das areias de um deserto e os vários nichos aparecem dispostos ao longo de um eixo representando o Rio Nilo, tendo à entrada duas esfinges de 2,5 m de comprimento, com 2,5 toneladas cada uma, postadas como se estivessem convidando o visitante a decifrá-las. Do lado esquerdo, como ocorre no célebre rio, ficam os espaços simbolizando os templos dedicados aos mortos, local de ritos e oferendas. Do direito, as salas associadas às cidades, aos centros de comércio, à cultura, à vida, enfim. Depois do sucesso alcançado pela exposição A arte no Egito no tempo dos faraós, que levou 370 mil pessoas à Faap no primeiro semestre, é de se esperar que a nova mostra, com 89 peças vindas do Museu do Louvre – além das 20 do Masp e das 19 emprestadas pela Fundação Eva Klabin Rappaport –, bata recorde de público. Mesmo levando em conta o ingresso de R$ 10 contra a entrada gratuita da Faap. Tal segurança deve-se ao tema escolhido pela curadora Elisabeth Delange, conservadora do departamento egípcio do museu francês e conhecedora da arte barroca brasileira, que vê o Brasil como um país religioso. Exatamente como eram os egípcios.
Para facilitar esta associação, Egito faraônico foi dividida em cinco seções. A primeira delas, O rei e os deuses, exibe o faraó como interlocutor único das divindades e traz, entre outros destaques, um fragmento de coluna em calcário com o nome de Ramessés II, popularmente conhecido como Ramsés. Em Presença divina, multiplicidade dos deuses, encontra-se uma das únicas estátuas de Tutankhamon que não foram tiradas de sua tumba, e sim de um templo em Karnak. Culto aos deuses traz vários objetos em pedra com inscrições de agradecimentos às graças alcançadas. Deuses protetores dos homens, dedicada às divindades menores, equivalentes aos santos cristãos de devoção, apresenta a belíssima estátua em alabastro de Nebmertuf. Enquanto Deuses protetores do morto e do além concentra sarcófagos, instrumentos, papiros como o Livro dos mortos e objetos preciosos como o Pássaro alma, feito em ouro, lápis-lazúli e turquesa.
De acordo com o curador associado do evento, professor Antonio Brancaglion Jr., egiptólogo doutorado pela Universidade de São Paulo, esta é a melhor exposição sobre o assunto já feita no Brasil. Ele também destaca que, além da significativa coleção do Masp, as peças da Fundação Eva Klabin Rappaport são simplesmente magníficas. Entre os 19 itens selecionados, ele aponta um pequeno sarcófago de madeira fechado, cujo interior ainda não foi examinado, simbolizando a deusa Bastat (gata), uma das encarnações de Sekhmet (leoa) e que pode ser vista sob esta forma junto aos objetos emprestados pelo Louvre. “As características múltiplas das divindades fazem com que se assemelhem aos bichinhos mutantes do game Pokémon”, brinca Brancaglion, para logo ficar sério ao sublinhar que a peça mais antiga de toda a exposição pertence justamente à fundação carioca. Trata-se de um vaso datado de cerca de 3000 a.C., do período pré-dinástico, antes da formação do Estado egípcio. A própria Elisabeth Delange faz questão de elogiar a peça, apesar de ter outras semelhantes no acervo do Louvre. Mas apressa-se em informar que pelo menos 35 dos objetos escolhidos por ela nunca foram expostos no museu francês. Dez deles pertencem ao que chama de reserva técnica.
Curiosidades – Na saudável briga pela peça mais antiga, quem ganha é o público, sempre ávido por tudo o que vem do Egito. São várias as curiosidades. As esfinges em basalto da entrada, por exemplo, guardam uma história singular. Encontradas decapitadas, as “novas” cabeças foram feitas no século XIX pelo restaurador italiano Bartolommeo Borghesi, que as dotou de feições greco-romanas e adornou o turbante com uma flor-de-lis em vez da habitual serpente. Outro item surpreendente são os vasos canopos, utilizados para colocar as vísceras dos mortos. Também é a primeira vez que no Brasil é exposto um kit sarcófago completo. Ou seja, a cuba de madeira incrustada na pedra, o sarcófago interior que guarda a múmia (ausente) e a mortalha dela em madeira. O suspense fica por conta do fato de que um dos quatro vasos mencionados ainda guarda intacto seu conteúdo. Brancaglion o indicou para ISTOÉ. Ele tem 26 cm de altura com a tampa esculpida na forma da cabeça de um chacal, representando Duamutef, um dos filhos do deus Hórus. “Durante a montagem, fui procurado por pessoas que queriam cheirar o objeto”, conta. “O vaso exala um odor semelhante ao de uma múmia. E múmias cheiram a resina”, esclarece. Vale avisar que o vaso não poderá ser cheirado e muito menos tocado.