03/10/2001 - 10:00
A violência hollywoodiana de O grande deserto (Record, 528 págs., R$ 38), livro mais recente do americano James Ellroy, parece até ingênua quando lida à luz de um mundo real no qual aviões se espatifam contra edifícios. Mas mantendo-se a necessária distância do cotidiano, a obra surge como uma das mais virulentas peças escritas dentro do que se poderia definir como new-noir, uma mistura dos velhos policiais inspirados nas luzes e sombras dos becos do submundo com a crescente paixão por sangue que grassa (ou grassava) nos estúdios dos Estados Unidos.
O livro foi escrito de olho nas câmeras e, como tal, só falta vir com as marcações de cena devidamente assinaladas. Tem todos os ingredientes que fascina(va)m o público: sangue, escatologia, sexo, pancadas, tiras corruptos e um quê de nostalgia dos tempos em que mocinhos e bandidos se dividiam no plano moral e ideológico. Dentro de seu gênero, entretanto, O grande deserto é uma obra redonda, que se destaca mais pelo enredo que pelo texto. Começa em Los Angeles com o horripilante assassinato de um obscuro músico de jazz, na primeira madrugada do ano de 1950. A paixão pela averiguação científica leva um jovem e ambicioso policial a insistir na busca aos assassinos.
Paralelamente, um grupo reacende a chama da famosa caça às bruxas, esmiuçando, em nome de interesses escusos, a vida de um grupo de comunistas ligados aos estúdios de Hollywood. Da intersecção das duas linhas do enredo surge uma história na qual traição, amor e ódio se misturam em doses equivalentes. Um prato cheio para se fugir, por alguns momentos que seja, das paixões feias, sujas e reais transmitidas ao vivo pela televisão.