03/10/2001 - 10:00
Na manhã fria de 26 de fevereiro de 1993, na cidade industrial de Paterson, no Estado de Nova Jersey, um kuaitiano alto ajeitou com extremo cuidado um bujão de plástico azul, do tamanho de um barril de chope, no compartimento de carga de uma van. Esta seria a última peça de um carregamento mortífero, que incluía uma bomba caseira de mais de 700 quilos. Horas depois, aquele veículo alugado por um egípcio com documentos falsos explodiria na garagem do World Trade Center, provocando a morte de seis pessoas e ferimentos em outras mil. Só não conseguiu cumprir a tarefa de demolir as duas torres principais daquele complexo de escritórios. Aquele seria não apenas o primeiro atentado de radicais islâmicos contra o WTC, mas também a primeira vez que uma arma química de destruição massiva era empregada contra um alvo em território americano.
Dentro do tonel de plástico estavam estocados cerca de 50 quilos de cianeto (o sal do ácido cianídrico), que, se ganhassem a atmosfera da zona sul de Manhattan, poderiam ter matado muito mais gente do que as que padeceram. Essa tragédia somente não aconteceu porque o arremedo de bomba química era muito rústico e o cianeto queimou todo na explosão. Somente agora, oito anos depois do ataque, agentes de inteligência dos Estados Unidos estão admitindo, em voz baixa e protegidos pelo anonimato, este detalhe importante. A discrição é compreensível nesse momento em que paranóias coletivas ganham corpo na realidade. O bioterrorismo é uma ameaça concreta que apavora cidades americanas e européias. E Nova York é a cisterna onde este caos internacional é coletado.
Toque de recolher – Dois dias antes do Yom Kippur –o dia do perdão no calendário judaico, que este ano caiu na quinta-feira 27 –, os nova-iorquinos experimentaram um pouco da vida de quem mora na Cisjordânia: policiais e soldados do Exército revistavam veículos parando o tráfego em toda a cidade. O trânsito ficou tão impossível que o prefeito Rudy Giuliani decretou a proibição, entre 6h e 12h, da entrada de carros com menos de dois passageiros ao sul da rua 66 de Manhattan. Antes das pontes, as barreiras policiais vasculhavam até mesmo ônibus escolares. “Nós tínhamos ido jogar beisebol numa competição entre colégios e nosso ônibus foi parado e invadido por guardas. Remexeram até nas sacolas com nossos uniformes sujos”, diz Miles Sherman, 12 anos, estudante da exclusivíssima escola particular Horace Mann, em Riverdale. As blitze, que não têm prazo para terminar, eram justificadas pelo medo criado por dois alertas do secretário da Justiça, John Ashcroft, sobre ameaças de emprego de armas químicas, bacteriológicas e mesmo nucleares por terroristas islâmicos. Ao Congresso, ao reivindicar a aprovação de um pacote de medidas draconianas para combater o terrorismo (leia matéria à pág. 80), Ashcroft disse que o perigo era real e estava sendo investigado.
Um dos resultados dessas investigações foi a proibição, durante dois dias, imposta pela Agência Federal de Aviação (FAA), aos vôos de aeronaves de pulverização agrícola. Descobriu-se que Mohamed Atta e outros sequestradores que agiram nos atentados do dia 11 de setembro haviam se interessado por aviões pulverizadores, chegando a comparar preços e capacidades para a compra de um destes aparelhos. Cinco mil pilotos fumegadores foram obrigados a dar 48 horas de folga às pragas da lavoura. Nas investigações ficaram expostas as vísceras do corpo de transporte de substâncias perigosas em estradas americanas. A visão é horripilante: “Aprendemos que qualquer delinquente, com meros US$ 50 ou US$ 100, consegue uma carteira de motorista autorizada a transportar cargas químicas, bacteriológicas ou nucleares, atravessando cidades e zonas rurais”, disse a ISTOÉ Paul Webster, do Centro de Controle de Doenças em Atlanta.
Na malha fina desta caçada caíram 30 pessoas que obtiveram cartas de motorista de veículos transportadores de carga nociva – uma categoria que conta com 2,5 milhões de profissionais. Todos os suspeitos conseguiram a proeza através de fraudes variadas. Mas 20 deles fizeram soar mais alto os alarmes dos investigadores. Todos conseguiram suas licenças através de um agente – identificado apenas com a sigla “CW-1”– do Departamento de Transportes de Pittsburg, na Pensilvânia. Essas autorizações foram feitas entre julho de 1999 e janeiro de 2000, e todas tiveram a participação do mesmo intermediário, de nome Abdul Mohamman, 44 anos, vulgo “Ben”. Não parece coincidência o fato de “Ben” ser muito amigo de um ex-motorista de táxi de Boston chamado Nabil Al-Marabh, que também ganhou este tipo especial de licença e é sabidamente membro da “Al Qaeda”, a organização de Osama Bin Laden.
Comprando Boeings – ISTOÉ recebeu informações de que Al-Marash e outro seqüestrador, Mawan al-Shehhi, tiveram contatos com Mamoun Darkazanli, advogado sírio radicado na Alemanha. O advogado é suspeito de ser um dos muitos operadores da rede de investimentos de Bin Laden. Nos EUA, ele tentou comprar um Boeing 727 descomissionado. Há seis meses, Darkazanli, que mora em Hamburgo – mesma cidade alemã onde Mohamed Atta estudou engenharia urbana – foi a revendedores de aviões nos Estados americanos do Arizona, Colorado e da Flórida para verificar in loco os estados de vários Boeings 757. “Normalmente, um negócio destes demora um certo tempo para ser fechado. Ninguém pode comprar um Boeing 727 e sair do hangar pilotando. Há uma burocracia que demanda investigações, com muito questionamento das autoridades americanas. Além disso, um aparelho destes custa entre US$ 2 milhões e US$ 8 milhões, quantia que tem de ter origem comprovada ao chegar nos bancos americanos. Talvez por isso o negócio não tenha saído. Os ataques de 11 de setembro vieram antes”, diz Harold Spencer, revendedor de aeronaves de grande porte em Tucson, no Arizona. De todo modo, as autoridades americanas ainda não conseguiram descobrir qual o papel que esta aeronave teria no complexo esquema terrorista. Mas não parece ser um acaso o fato de Darkazanli Al-Marash e al-Shehhi terem se cruzado. “Nosso medo é que Bin Laden enchesse o avião com armas químicas ou bacteriológicas, e mandasse o piloto cair no meio de Times Square”, diz a fonte de ISTOÉ.
O kuaitiano que ajeitou o barril azul na van é Ramzi Yuseph, cujo endereço atual, e pelo resto de sua vida, é a penitenciária federal de segurança máxima de Terre Haute, em Indiana. Seu vizinho mais próximo é Ted Kaczynski, o “Unabomber”. Yuseph, capturado em 1995 depois de uma tentativa desastrada de matar o papa, é veterano da guerra afegã e com experiência em outros fronts. Ele estava em contato, na época, com oficiais de inteligência do Iraque, que, segundo James Woolsey, ex-diretor da CIA, desde 1993 vem fornecendo ajuda a grupos terroristas islâmicos que atuam nos Estados Unidos. O velho Tariq Aziz, vice-primeiro-ministro do Iraque, negou em entrevista à rede de televisão CNN que Bagdá tivesse qualquer contato com o regime do Taleban e Osama Bin Laden. Mas as evidências contra Saddam Hussein são enormes. Em 1998 o saudita recebeu a visita em sua base em Kadahas, no Afeganistão, de Farouk Hijazi, embaixador do Iraque na Turquia, e graduado oficial de inteligência de seu país. Também existem provas, como um filme da agência de inteligência da Malásia sobre um encontro entre Mohamed Atta e um oficial do serviço secreto iraquiano. ISTOÉ também recebeu confirmação de que um importante funcionário da Sessão de Interesses do Iraque em Washington tentou fazer uma milionária apólice de seguro (entre US$ 600 milhões e US$ 1 bilhão) do prédio de três andares da antiga embaixada do Iraque em Washington. O endereço é vizinho da Casa Branca e, provavelmente, sofreria danos caso um Boeing 767 arremetesse contra a sede do Executivo dos EUA. A Casa Branca, desconfia-se agora, seria o alvo procurado pelo avião da United Airlines que caiu a oito milhas de Pittsburg. O edifício, que ainda pertence aos iraquianos embora a embaixada esteja fechada, vale no mercado imobiliário cerca de US$ 10 milhões. A apólice de seguros estava prestes a ser validada, quando os ataques ocorreram. Depois disso, “os quatro funcionários mais graduados da missão iraquiana – entre eles o que procurou a seguradora – deixaram o país”, diz um agente federal.
Fetiche atingido – O público americano pode nem conhecer todos estes fatos, mas sabe que tragédias ainda maiores do que as do dia 11 podem acontecer a qualquer momento. A paranóia, escudada na realidade, fez com que os estoques de máscaras contra gases sumissem das lojas e dos catálogos oferecidos na internet. Na terça-feira 18, ISTOÉ encomendou da empresa Epicenter – Army Surplus (www.theepicenter.com) três máscaras israelenses – as mais concorridas e que normalmente custam US$ 254 dólares a unidade, mais US$ 150 pelos indispensáveis filtros de seis horas de duração. Depois de três dias de espera, a empresa comunicou que o estoque extra que estava para receber havia sido requisitado pelas Forças Armadas americanas e, portanto, não havia mais nada disponível. O mesmo aconteceu com outras 18 companhias procuradas, inclusive as australianas, canadenses, israelenses e britânicas. Os europeus seguiram o caminho dos americanos e também correram às compras. Até em Portugal e na pacata Suécia as vendas de máscaras de gás bateram recordes. “Nossos estoques normais deste produto são de 100 unidades. Foi tudo vendido entre os dias 24 e 25. Nós encomendamos mais mil itens e são insuficientes para atender as reservas”, diz Patrick Gillon, da empresa inglesa IS Army Surplus (www.ishop.com.uk). A alternativa do mercado negro também não satisfazia a demanda: na quarta-feira 26, um modelo israelense custava US$ 800; na quinta, o mesmo vendedor cobrava US$ 1.000. Às 19 horas daquele dia, não havia mais produtos.
A solução encontrada por muitos chefes de família foi apelar para a onda fetichista, o submundo do sadomasoquismo americano. Na empresa Stockroom (www.sotockroom.com), o empresário Robert “Rubber” (Roberto Borracha, por causa de seu fetiche com látex) diz que seu precioso e raro estoque de máscaras de gás antigas desapareceu. “Nós somos uma comunidade pequena. Gente que tem adoração por máscaras de gás. Quando os pedidos começaram a dilapidar nosso armazém, achei muito estranho. Só depois verifiquei que as compras eram feitas por pessoas que nada têm a ver com nossa comunidade. E isso nos desagrada muito: quando todo mundo começa a usar máscara de gás, o fetiche acaba: vira lugar-comum”, diz, bravo, “Rubber”.
A mesma corrida às prateleiras acabou com garrafões de água e boa parte dos alimentos dos supermercados do país. Os antibióticos também estão vendendo como pão quente. Alguns cientistas acreditam que as vítimas de exposição ao anthrax, um tipo letal de bactérias usado como arma de destruição massiva, podem sobreviver com uma terapia da droga “Cipro” (ciprofloxacin). “Existem pesquisas que apontam sucesso no uso de 500 miligramas de Cipro, duas vezes ao dia, para combater os efeitos de exposição ao anthrax”, diz o dr. Steve Lann, médico nova-iorquino. “Os consultórios estão repletos de pacientes exigindo receitas. Mas a comunidade médica não pode atender a esses pedidos. A automedicação com uma droga ainda em experimentação pode ser tão letal como um gás venenoso”, diz o médico. Mesmo assim, todas as farmácias da cidade estavam sem os produtos.
Síndrome do Golfo – Outra alternativa assustadora para o combate do anthrax é a vacina que as Forças Armadas americanas desenvolveu para inocular os soldados. “O problema é que esta mesma vacina é suspeita de ser responsável pela Síndrome do Golfo”, diz o dr. Scott Woogen, especialista em infectologia do Hospital de Virginia. Trata-se dos sérios problemas no sistema imunológico sofridos por vários veteranos da Guerra do Golfo depois que retornaram da campanha contra o Iraque em 1990. “São casos que vão desde câncer até defeitos genéticos nos filhos destas pessoas. Ninguém sabe ao certo o que causou”, diz o dr. Scott. Mesmo assim, os médicos dos setores de emergência dos hospitais do país já foram inoculados. Para a população em geral não há ainda perspectivas de vacinação.
Outros que estão sujeitos à peste, guerra, fome e morte são os afegãos. Estima-se que 2,5 milhões de refugiados do país tenham tomado as direções das fronteiras. Isso porque a guerra prometida pelos americanos já começou. ISTOÉ tem informações de que comandos de elite dos vários ramos das Forças Armadas dos EUA e do Reino Unido já estão agindo em pleno território do Afeganistão. Vinte e quatro horas depois dos atentados do dia 11, grupos da Força Delta – comando secreto e ultra-especializado das Forças Armadas – já estavam em território ocupado pela Aliança do Norte, a frente de oposição afegã contra o Taleban. Vários moradores das redondezas de Fort Bragg, na Carolina do Norte, simplesmente desapareceram: eram os membros da Delta que discretamente partiram para as montanhas do Afeganistão. Eles foram guiados por esquadrões de elite russos, que operam na área há muito tempo. Mais tarde, se uniriam a essa primeira remessa outras forças especiais americanas, como os Seals, da Marinha, os Rangers, pára-quedistas e Special Forces – estes estreando agora uniformes e arsenal high-tech (leia matéria à pág. 78).
Escaramuças – As provas desta invasão estão no fato de a Aliança do Norte, já no dia 22, ter conseguido dominar as províncias de Balkh, Badshis e o distrito de Zari, local militarmente importante. “Quem dominar este ponto terá via favorecida a Cabul”, diz o analista militar Roger Potts. A imprensa britânica também noticiou que naquele fim de semana as forças especiais SAS haviam trocado tiros com tropas do Taleban. A milícia afegã conseguiu retomar Zari na terça-feira, 25, mas sua posição parecia insustentável. A cidade de Taloqan, que é umas das artérias principais de suprimentos dos rebeldes há um ano, tinha caído nas mãos de forças do governo, engrossadas por soldados paquistaneses. Ela foi retomada agora com ajuda das tropas internacionais.
De certo modo, Taloqan e Nova York têm algo em comum. Ambas estão quase em estado de sítio, envolvidas numa guerra sem prazo para terminar. A diferença é que os nova-iorquinos ainda não saíram para campos de refugiados, depois de perder as suas posses e vários familiares. Já os habitantes de Taloqan, pelo menos, não estão ameaçados de ataques com armas químicas, bacteriológicas e nucleares. A paranóia, porém, é lugar-comum nos dois quadrantes.
O perigo invisível que vem do ar |
Darlene Menconi A brutalidade dos atentados de Nova York salta aos olhos, mas o bioterrorismo tem um componente de crueldade e sadismo insuperáveis. Depois do atentado de 11 de setembro, subestimar um ataque de vírus, bactérias ou gases letais seria no mínimo ingênuo. Esse é o parecer da Organização Mundial de Saúde (OMS), que na segunda-feira 24 fez soar o alerta vermelho e recomendou a todos os países a adoção de providências para arcar com “as consequências do uso de agentes biológicos ou químicos como armas”. A maior parte desses gases e microorganismos são velhos conhecidos e têm tratamento ou vacina. Por que, então, disseminar o pânico? Motivos não faltam. Em primeiro lugar, inocular toda a população de uma cidade ou país contra determinada doença é impraticável. Com o avanço das técnicas de manipulação genética, o quadro piorou. A própria OMS reconhece que de nada adiantaria uma campanha mundial de vacinação porque os vírus e as bactérias são modificados em laboratório para resistir aos remédios de hoje. A única forma de evitar uma intoxicação em massa está na velocidade de reação, ou seja, em identificar, isolar e tratar os doentes com o máximo de urgência. Foi essa a lição que o Japão aprendeu na primavera de 1995. Passava de oito horas da manhã de segunda-feira e o metrô de Tóquio transbordava de gente, como em todas as manhãs. De repente, sem alarde ou estrondo, uma nuvem de fumaça invadiu os vagões dos trens. Em poucos minutos, os integrantes da seita religiosa terrorista Ensino da Verdade Suprema espalharam marmitas e latas de refrigerante repletas de gás tóxico nos túneis subterrâneos. Não demorou até que os passageiros começassem a inalar o gás sarin, inseticida que atua sobre o sistema nervoso central e é 20 vezes mais letal do que o cianeto empregado nas câmaras de gás. Seus efeitos dependem da quantidade de gás inalado ou absorvido pela pele. Em doses altas, o sarin provoca espasmos, dificuldade para respirar e leva à morte por asfixia. Trancafiados nos vagões, os passageiros do metrô de Tóquio sentiram tontura, tossiram, alguns vomitaram, outros desmaiaram, muitos entraram em pânico. O saldo foi de uma dúzia de mortos e milhares de feridos. Poderia ter sido maior, caso os terroristas tivessem acertado na dose. “A capacidade mortífera de uma arma química depende da concentração. Em geral é preciso pulverizar grande quantidade para surtir efeitos drásticos”, explica Sérgio Graff, médico especializado em toxicologia. Se existisse uma lista para classificar as armas de destruição em massa por seu grau letal, os artefatos químicos ocupariam o terceiro lugar. Perderiam para as armas biológicas, criadas em laboratório a partir de vírus e bactérias, e para os acidentes nucleares. Todos são invisíveis e matam indiscriminadamente civis, militares, velhos e crianças. BOMBAS QUÍMICAS uitos agrotóxicos usados para eliminar pragas podem servir como armamento. Bastaria tomar de assalto um avião carregado de inseticida para despejá-lo sobre uma cidade. O que parecia ficção tornou-se realidade quando o procurador-geral dos EUA, John Ashcroft, revelou que a polícia federal americana (FBI) detivera um suspeito com manuais e informações sobre aviões de uso agrícola. Foi o bastante para que o governo suspendesse todos os vôos de fumigação, na segunda paralisação desde 14 de setembro. Ao todo, 3.500 aeronaves deixaram de circular na semana passada. As armas químicas estrearam pelas mãos dos alemães, em 1915. Tropas inglesas e francesas não ficaram atrás, e três anos depois arremessaram seus torpedos tóxicos. Dentro do grupo de armas químicas, o gás mostarda é o mais conhecido. Em 1936, foi usado pelo ditador italiano Benito Mussolini para eliminar os obstáculos humanos que impediam o avanço de suas tropas na Abissínia, atual Etiópia. Nos anos 70, os americanos arrasaram a agricultura do Vietnã com gases desfolhantes. Já os soviéticos despejaram gás sarin no Afeganistão. Em 1988, no estertor da guerra Irã–Iraque, Saddam Hussein desferiu sua ira e o gás mostarda sobre os curdos iraquianos, acusados de apoiar o Irã. No topo da lista de toxicidade, o VX é um inseticida líquido que mata em menos de 15 minutos. Inodoro e incolor, ele se transforma em gás ao entrar em contato com o oxigênio. Como outros agentes químicos, o VX bloqueia a transmissão de impulsos ao sistema nervoso central, provoca convulsões, parada respiratória e morte. Ao mínimo contato, os olhos ficam vermelhos e doloridos e os primeiros sintomas aparecem, como dificuldade para respirar, dor na parte frontal da cabeça, náusea e vômito. O gás mostarda, ao ser misturado com água, exala forte cheiro de alho. Seus efeitos vão da simples coceira na pele até olhos lacrimejantes e ardor nos pulmões. Uma pessoa infectada pode demorar até 12 horas para sentir os sintomas. Cruel e doloroso, também foi usado por chineses, soviéticos, ingleses e japoneses nas duas grandes guerras. “Ao contrário dos agentes bacteriológicos, as armas químicas têm efeito instantâneo e produzem mais danos quando inaladas”, explica o doutor Graff. Só a máscara anti-gás protege, e ainda assim com resultados parcos, já que o filtro de gás dura entre três e seis horas. AGENTES BIOLÓGICOS
De efeito prolongado e avassalador, os vírus e bactérias usados para fabricação de petardos biológicos são altamente contagiosos. Muitas vezes a vítima não sabe que está contaminada e vira um propagador ambulante de germes. Botulismo, cólera, Ebola, febre hemorrágica ou tifóide, peste bubônica e varíola são algumas das doenças que integram esse arsenal. São males de disseminação rápida e de difícil diagnóstico. As autoridades em saúde pública temem duas doenças em particular, o anthrax, causado por uma bactéria, e a varíola, desencadeada por um vírus. Doença comum em animais, o anthrax provoca febre, dificuldade respiratória e a morte é certa em 90% dos casos, embora existam antibióticos para tratá-la. “O problema é que não haveria tempo suficiente para vacinar ou medicar todos os doentes em caso de ataque”, explica o infectologista Artur Timerman. “É como se toda a população fosse submetida a uma quimioterapia”, diz. Num exercício de futurologia, o Congresso americano calculou que se 100 quilos da bactéria do anthrax fossem despejados numa cidade, três milhões de pessoas morreriam. Estima-se que 17 nações tenham acesso a germes assassinos. A maior parte delas testa o anthrax, que desde 1940 faz parte do estoque do governo britânico. VARÍOLA A contaminação em geral se dá pelo ar, pela água ou por alimentos. É o caso da varíola, doença extinta há 20 anos, que reapareceu das cinzas como ameaça mortal. Oficialmente, apenas Rússia e EUA têm uma cepa do vírus. Sabe-se, porém, que Iraque e Coréia do Norte fizeram experimentos com essa arma. Com a debacle do império soviético, pairam dúvidas sobre a possibilidade de um ex-espião russo ter vendido amostras do vírus a outros países. Altamente contagiosa, a doença começa com calafrios, febre alta, dor nas costas e na cabeça. Cinco dias depois, a pele cobre-se de pústulas. Cerca de sete entre dez pessoas infectadas morrem. O desenvolvimento, a produção e o uso de armas químicas e biológicas são proibidos desde 1925 pela Convenção de Genebra. Como se vê pela paranóia que na semana passada tomou conta de americanos e europeus, nem todas as nações respeitam os protocolos. Iraque, Irã, Líbia e Coréia do Norte encabeçam a lista de rebeldia. Atento, o Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) de Atlanta, nos EUA, se prepara para entregar um lote de 40 milhões de vacinas contra a varíola, que só ficará pronto em 2004. Pode ser tarde demais. |
O mistério do marroquino Fatah |
Luiza Villaméa e Osmar Freitas Jr. – Nova York O marroquino Gueddan Abdel Fatah, 27 anos, está entre os suspeitos relacionados pelo FBI (Polícia Federal americana) como integrante de uma rede internacional de informações articulada pelos terroristas para confundir os serviços de inteligência americanos. Dias antes dos ataques em Nova York e Washington, notícias de que vários atentados estavam prestes a acontecer foram disparadas, de diversas partes do mundo, para os Estados Unidos. Por prevenção, instalações americanas no Exterior tiveram a segurança reforçada e embarcações foram afastadas de portos estrangeiros. “Como iscas, as falsas dicas dispersaram a atenção dos serviços americanos, que não trabalharam com a possibilidade de um ataque em seu próprio solo”, afirmou a ISTOÉ uma fonte do grupo de contraterrorismo da polícia de Nova York. A informação também foi confirmada por Daniel Alghaith, ex-integrante da CIA, hoje trabalhando numa empresa privada de segurança. Não se sabe se o marroquino Fatah recebeu instruções diretas para falar em atentados ou se foi apenas “usado” por grupos que intencionalmente fizeram chegar a ele notícias de “futuras explosões”. O detalhe curioso é que desde o começo do ano Fatah está preso no Carandiru, em São Paulo, condenado por assalto. Seis dias antes dos ataques, ele pediu à advogada Edith Pimenta que entregasse uma carta à Polícia Federal, na qual dizia ter “assuntos de interesse internacional” a revelar. Queria falar na presença de representantes dos consulados dos EUA e de Israel. Na ocasião, Edith pediu “dados concretos” sobre o assunto, mas ele não quis entrar em detalhes. Na véspera dos atentados, Fatah soube que a advogada não havia entregue a mensagem. “Agora também não dá mais tempo”, comentou. No final da tarde da terça-feira 11, com o mundo ainda paralisado pela ousadia terrorista, o marroquino foi ouvido pela Polícia Federal, acionada pela mesma advogada que não entregara a mensagem antes dos atentados. Dois dias depois, em novo depoimento, acompanhado por dois agentes do FBI, ele repetiu que fora convidado para integrar um comando que promoveria ataques nos Estados Unidos. Fatah mostrou-se confuso, sem fazer acusações diretas nem responder com ênfase aos questionamentos, mas todas as informações que forneceu estão sendo conferidas. Checado por ISTOÉ, o endereço nova-iorquino que Fatah disse ser suspeito não existe, mas o FBI localizou o “contato” Amin Mir, também citado por ele. Pela ótica americana, o marroquino é suspeito, em especial por suas frequentes viagens pelo mundo nos últimos anos. O FBI desconfia que Fatah, dono de um corpo malhado que destoa da aparência dos companheiros de presídio, esteve entre os rapazes treinados por Osama Bin Laden. “A história de Fatah é muito nebulosa – aliás, este nome parece de fantasia: Fatah significa “Vitória” em árabe. O passaporte venezuelano que ele apresenta é falso, segundo as autoridades daquele país. E em seu depoimento ele disse que os atentados seriam executados por grupos xiitas. Acontece que os xiitas são contra as forças do Taleban e de Osama Bin Laden. Tanto que o Irã – que dá apoio a grupos desta denominação, como o libanês Hizbollah – foi um dos primeiros a condenar os atentados do dia 11. Este Fatah é falso”, conclui o ex-agente da CIA Daniel Alghaith. |