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DOIS LADOS DA CÂMERA
Sebastião Salgado, personagem principal da única representação brasileira
do Oscar deste ano, "Sal da Terra", em cartaz nos cinemas

 

Um dos fotógrafos mais conhecidos do planeta, o mineiro Sebastião Salgado, aos 71 anos, não pensa em se aposentar. Em cartaz nos cinemas como personagem principal da única co-produçao brasileira indicada ao Oscar, “O Sal da Terra”, documentário dirigido por Wim Wenders e Juliano Salgado, seu filho, Sebastião Salgado inaugura exposições na Alemanha e em Portugal.

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"Nunca aprendi fotografia na escola. Nem jornalismo. Quem me apresentou
para a câmera foi minha mulher, a arquiteta Lélia Walnick"

 

A mostra “Genesis”, que tem muito dos bastidores revelados no longa-metragem, também está em cartaz no Museu Oscar Nimeyer de Curitiba. Em entrevista à ISTOÉ, Salgado adianta detalhes de seu próximo trabalho, uma grande reportagem sobre as tribos indígenas brasileiras que não tiveram contato com a civilização – projeto em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Trata-se da verdadeira história brasileira não contada.” 

 

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"Minhas primeiras fotografias eram vendidas a US$ 100,
US$ 150. Hoje tenho imagens que valem US$ 100 mil"

 

ISTOÉ

 Apesar do sal do título do filme“O Sal da Terra” ser uma referência às pessoas do mundo retratadas pelo sr., nota-se o movimento de sua lente em direção à natureza. Por que esse caminho?

 
Sebastião Salgado

 Eu passei mais de 40 anos fotografando aspectos sociais, imagens às vezes duras. Chegou uma hora que eu queria ver o planeta. Tive uma vontade muito grande de me aproximar da natureza e da ecologia em “Genesis” (livro mais recente do fotógrafo, cuja produção é documentada pelo filme). E tive de me organizar muito para fazer isso. Foram oito anos. Me ofereci o maior presente que uma pessoa pode se dar na vida.

 
ISTOÉ

 O filme mostra que o sr. percorreu lugares distantes e difíceis de se chegar. Como financia esses projetos de longa duração?

Sebastião Salgado

 Foi caro, não saberia mais dizer quanto gastei. Não sou rico, não tenho a quantidade de dinheiro necessária para viajar o ano inteiro como diletante. Durante oito anos passei dois meses em cada lugar, depois um mês editando. Acabei fazendo 32 reportagens para grandes revistas nesse período. Não é fácil. Minhas primeiras fotografias eram vendidas a US$ 100, US$ 150, hoje tenho imagens que valem US$ 100 mil. Mas isso não faz de mim um homem rico.

 
ISTOÉ

 E como o sr. acha que o seu projeto ajudou a natureza?

 
Sebastião Salgado

 No Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, começamos a replantar uma floresta em uma área completamente degradada, onde não achava que nasceria nem um arbusto. Foi uma coisa fabulosa. No decorrer do projeto, começaram a nascer dezenas de milhares de árvores. E então voltaram os pássaros e a água. 

 
ISTOÉ

 Mas o sr. recuperou nesse caso terras pertencentes a sua família, certo?

 
Sebastião Salgado

 Hoje as terras se tornaram um espaço público. De qualquer maneira, é algo que pode ser replicado em outros lugares. O problema de São Paulo hoje não é só a falta de chuvas, é a falta de árvores, que retém a umidade. Não é que eu tenha me transformado em um fotógrafo de paisagens ou sobre os animais, é que quis fazer uma história ligada ao planeta.

 
ISTOÉ

 Isso não é algo que  muitos outros já fazem?

 
Sebastião Salgado

  Possivelmente sou um dos fotógrafos que mais trabalhou em fotos sociais no mundo e acho que não poderia ter feito outra coisa melhor. Mas há uma década fiz uma pesquisa e descobri que praticamente metade do planeta estava como no dia da Criação. Isso é espantoso se pensarmos no formigueiro humano que se tornaram as grandes cidades. Então me coloquei como desafio fotografar esses lugares.  Momentos desse trabalho compõem boa parte do filme. 

 
ISTOÉ

 O que fará depois de  “Genesis”?

 
Sebastião Salgado

 Depois de “Genesis” comecei uma outra história, sobre as tribos indígenas brasileiras. É a respeito de seu direito sobre o território. Estou trabalhando nisso em parceria com a Funai.

 
ISTOÉ

 Será um novo livro, seguido de exposição, como de praxe?

 
Sebastião Salgado

 É um projeto que vai me tomar ainda alguns anos.  O que já tenho é uma reportagem com um grupo indígena no norte do Maranhão, os Sawá, e uma mais  longa, com os Yanomami. Subi até o Pico da Neblina, no Amazonas, com um grupo de 22 indígenas. Lá é a montanha sagrada dos Yanomamis. Segundo eles, trata-se da morada de uma grande deusa. Eram pajés, um grupo de guerreiros e eu.

 
ISTOÉ

 No próximo projeto então o sr. volta a retratar seres humanos.

 
Sebastião Salgado

 Sim, voltei a fotografar o ser humano. Não que eu tivesse deixado totalmente de lado. Em “Genesis”, pelo menos um terço do que eu fotografei são seres humanos. Mas voltei a retratar grupos antigos, remotos e intocados pela civilização. Essa é a verdadeira história brasileira. Tem pelo menos 100 grupos que nunca foram contactados. 

 
ISTOÉ

 O sr. pretende ficar mais no Brasil ou continuará estabelecido em Paris?

 
Sebastião Salgado

 Moro em Paris há muitos anos, desde 1969. Saímos daqui na época de uma repressão brava, participávamos do movimento estudantil de esquerda contra a ditadura. Cassaram meu passaporte na França e durante muitos anos tive que usar um mandado de segurança. Foi lá que me transformei em fotógrafo. 

 
ISTOÉ

 Como vê a situação política na França e na Europa no momento? O sr. acredita que há um forte renascimento da direita? 

 
Sebastião Salgado

 É uma dinâmica muito forte. Não é que a esquerda entrou em crise ou a direita que tenta resolver o problema. A direita assumiu o poder na França com o Sarkozy, e entregou um país falido. O Françoise Hollande pegou a França falida e vai entregá-la mais falida ainda. Mesmo com todas as medidas possíveis e imagináveis ele não consegue resolver. Porque a máquina é tão cara e os gastos da França tão sofisticados que eles não tem mais dinheiro para pagar. Não é um problema de direita ou esquerda. Para mim é uma crise estrutural. Esses países vão resolver a crise, mas não vão manter aquele glamour que tiveram, porque eles já não tem recursos para isso.

 
ISTOÉ

 Mas ainda é possível se viver de fotografia na França? 

 
Sebastião Salgado

 A comercialização do meu trabalho é internacional, estou apenas baseado em Paris. De qualquer maneira,  a fotografia é uma arte que não vai durar muito tempo. Ela está acabando. Estamos caminhando para o fim da fotografia. 

 
ISTOÉ

 Como a fotografia terminará se nunca se fotografou tanto?

 
Sebastião Salgado

 Na realidade nunca se produziu tanta imagem. Fotografar é algo que se faz cada vez menos. A mudança dos instrumentos de captação, as infinitas  possibilidades que existem hoje, como mexer, mudar, manipular  a imagem depois que ela foi capturada, mudam completamente a linguagem. Antigamente existia uma espera para captar, depois o tempo da revelação e a impressão. Agora você vê a imagem, mas ela não passa mais pela fotografia. 

 
ISTOÉ

 O sr. tem um exemplo? 

 
Sebastião Salgado

  Muito próximo! Meu filho (Juliano Salgado, diretor de “O Sal da Terra”, vencedor de um César e candidato ao Oscar de Melhor Documentário este ano) realizou o filme inteiro sobre meu trabalho com uma única máquina. Você perde o equipamento, perde as imagens. Elas não existem mais fisicamente, nem se espera mais que algo seja assim.  

 
ISTOÉ

 Apesar de hoje ser lembrado pelos seus trabalhos autorais, de cunho social, como “Trabalhadores” (1996) e “ Exodos” (2000),  o sr. teve sua primeira projeção internacional com  imagens exclusivas que conseguiu captar do atentado contra o então presidente Ronald Reagan, em 1981. Foi a partir dali que se tornou um nome da fotografia, não?

 
Sebastião Salgado

 Quando eu fiz essas fotos já estava na agência mais sofisticada do mundo, a Magnum. Já tinha passado pelas melhores agências que existem. Não foram as fotos do Reagan que trouxeram reconhecimento para o meu trabalho. 

ISTOÉ

 Mas se conta que o sr. arrumou a vida nessa ocasião.

 
Sebastião Salgado

 A venda das fotos me proporcionou uma facilidade financeira. Pude comprar um apartamento, o que eu não tinha até então, um carro sofisticado. Acrescentou muito mais do lado material do que do lado profissional. As fotos foram vendidas imediatamente e eu nem quis assiná-las para não ficar identificado com esse tipo de trabalho. Quando ocorreu o atentado já tinha publicado uma parte do meu primeiro livro, “Outras Américas”.