Ahmed Rashid estuda o Afeganistão há mais de duas décadas. O jornalista paquistanês estava em Cabul em 1979 quando os soviéticos invadiram a capital afegã. Rashid também foi o único jornalista a ter acesso aos líderes do Taleban e seus esconderijos. O autor do livro Taliban – Islam, oil and the new great game in Central Asia falou de sua casa em Lahore (Paquistão) na quinta-feira 20 sobre como os EUA e a CIA apoiaram o hoje inimigo nº 1, Osama Bin Laden.

ISTOÉ – Como se deu a ligação dos EUA com Osama Bin Laden?
Rashid – Nos anos 80, ainda durante a guerra fria, os mujahedin (guerrilheiros islâmicos) tinham apoio dos americanos, que incentivavam milhares de não-muçulmanos e muçulmanos a vir ao Afeganistão para lutar contra os soviéticos. E, entre eles, estava o saudita Osama Bin Laden, que tinha uma ligação muito próxima com a CIA. Muitos desses guerrilheiros árabes que lutaram contra as tropas soviéticas foram treinados e armados pela CIA.

ISTOÉ – Por que Washington inicialmente apoiou o Taleban?
Ahmed Rashid – Os americanos apoiaram o Taleban, quando essa milícia estava na oposição, entre 1994 e 1996, porque pensavam que a organização seria útil na política anti-Irã. Além disso, os dois aliados americanos na região, o Paquistão e a Arábia Saudita, davam suporte militar àquele grupo fundamentalista. Outra razão para que o governo americano apoiasse o Taleban foi porque os EUA queriam uma rota que transportasse óleo e gás da Ásia Central para a região do Paquistão. E o caminho mais curto passaria pelo Afeganistão. Os americanos acreditavam que o Taleban iria prover segurança para a construção de oleodutos. Essa decisão estratégica foi um grande erro, porque os americanos se equivocaram completamente sobre a natureza do Taleban e só perceberam isso depois que eles tomaram o poder em Cabul em 1996. Em vez de buscar ajuda dos países vizinhos para prover segurança aos oleodutos, o Taleban passou a abrigar extremistas islâmicos de várias nacionalidades. Foi quando Osama Bin Laden chegou ao Afeganistão e, a partir daí, passou a haver uma enorme preocupação dos americanos com esse fato. No final, os tais oleodutos nunca foram construídos, a guerra civil continuou e o Taleban mostrou-se incapaz de conquistar o país inteiro. E também surgiram muitas críticas de grupos feministas americanos à política discriminatória às mulheres afegãs praticada pelos talebans.

ISTOÉ – Quais são as relações do Taleban com o tráfico de heroína?
Rashid – A produção de ópio começou no Afeganistão nos anos 80, durante a ocupação soviética. A droga financiou grande parte da guerra contra Moscou e por isso Washington fez vista grossa. O ópio só se tornou um problema para os EUA com a saída dos soviéticos, em 1989. Em 1996, quando o Taleban assumiu o poder, a produção de ópio explodiu, transformando-se na principal fonte financiadora da organização. Mas em julho do ano passado, o líder do Taleban, mulá Mohammed Omar, proibiu a produção de ópio. Mas ainda se vende muito a droga, só que com um preço muito mais alto por causa de sua escassez.

ISTOÉ – A máfia russa também está envolvida com esse tráfico?
Rashid – Sim. O problema, aliás, é que o Taleban abriga todos esses extremistas da Ásia Central, que vão da Chechênia ao mundo islâmico e estão envolvidos no tráfico de ópio. Eles têm uma rede muito conveniente que passa pela Europa, Rússia e vai até o Paquistão.

ISTOÉ – Existe alguma política específica de combate à rota do ópio?
Rashid – O importante é haver investimentos no Afeganistão. Com um governo de linha dura, tornou-se impossível atrair investimentos. Entendo que a comunidade internacional gostaria de dar apoio econômico ao Afeganistão caso houvesse um compromisso do governo em investir os recursos na população.

ISTOÉ – Por que o Paquistão não pressiona o Taleban para que entregue Bin Laden?
Rashid – O Paquistão sempre disse que entregar Bin Laden era uma questão a ser resolvida com o Taleban. O saudita não tem uma ligação com os militares paquistaneses que estão no poder, mas com os grupos extremistas do Paquistão. Esses radicais são usados pelo governo paquistanês para lutar contra a Índia na guerra da Caxemira (região disputada pelos dois países). Este é o problema. Porque, se esses extremistas perderem o apoio de Bin Laden, deixam de lutar pelo governo paquistanês. E, levando-se em conta que a Índia é o grande inimigo do Paquistão, a situação pode se tornar bastante complicada para os paquistaneses, caso pressionem para a entrega do saudita.

ISTOÉ – Os EUA recusaram a proposta do clero islâmico afegão de pedir que Bin Laden se entregue. Qual é o próximo passo?
Rashid – Ainda há tempo para os americanos negociarem. O Paquistão continuará enviando delegações para que o Taleban extradite Bin Laden. Os EUA já avisaram que não vão aceitar nenhum tipo de condição para essa entrega. Mas eles não negociarão com o Taleban. Por isso é necessário dar tempo ao governo paquistanês para que ele se articule com os líderes do Taleban. Espero que o Taleban realmente entregue Bin Laden e assim seja quebrada a rede dos extremistas. Em troca, os EUA vão ter que ajudar economicamente o Paquistão, porque, se a economia se deteriorar, os protestos dos paquistaneses vão aumentar.

ISTOÉ – Se houver guerra, será uma “guerra santa”? Os afegãos vão resistir aos EUA como os vietnamitas resistiram?
Rashid – Se houver guerra, o Taleban certamente declarará uma guerra santa. E isso significa que muitos muçulmanos do Paquistão, da Chechênia e de outras áreas vizinhas se juntarão ao Afeganistão. Quanto ao próprio Taleban, ele poderá ser fragmentado. Muitos guerrilheiros poderão não resistir aos ataques e acabarão voltando para casa.