Um dia antes de viajar à Cidade do Panamá para participar, como estrela máxima, da sétima edição da Cúpula das Américas, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez uma parada estratégica no Museu Bob Marley, em Kingston. Obama estava na capital jamaicana em visita oficial, mas quis conhecer a casa que homenageia o rei do reggae. Lá, enquanto observava fotos, vídeos e objetos pessoais do cantor, o presidente americano escutou alguns clássicos de Marley. O maior deles, “Get Up, Stand Up” (algo como “Levante, Resista”) era tudo o que precisava ouvir antes de encarar a tempestade que viria pela frente. No encontro que reuniu, entre a sexta-feira 10 e sábado 11, os chefes de Estado de 35 países das Américas, Obama se defrontaria com um caldeirão de problemas – alguns deles, justiça seja feita, urdidos em sua própria gestão.

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Pouco antes de embarcar de Kingston para o Panamá, Obama soube que a Venezuela, perturbada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos contra o presidente Nicolás Maduro, não assinaria o documento final da Cúpula, arruinando assim a expectativa de união do continente após o fim do isolamento de Cuba. O presidente americano tentou contemporizar. “Não acredito que a Venezuela seja uma ameaça para os Estados Unidos, e os Estados Unidos não são uma ameaça para o governo da Venezuela”, disse. No Panamá, ele também teria que responder ao movimento chamado “contracumbre” (anticúpula), organizado pelos líderes de Nicarágua, Venezuela, Bolívia, Equador e talvez até Argentina, e que consiste basicamente em criticar o que chamam de “política imperialista” dos Estados Unidos. Do Brasil, havia o risco da presidente Dilma Rousseff exigir mais explicações sobre o caso da espionagem contra ela e outras autoridades brasileiras. Em meio à tensão política, boa parte dos debates se concentraria no crescimento anêmico da América Latina e nos números decepcionantes da economia americana .

Por mais que as tentativas de Nicolás Maduro de tumultuar a Cúpula tenham chamado a atenção para as intrincadas relações entre a Venezuela e seu inimigo poderoso, a verdade é que a Cidade do Panamá ficará marcada como o local que abriu as portas para um acontecimento histórico. Pela primeira vez em 57 anos – período em que os Estados Unidos foram governados por 11 presidentes diferentes –, chanceleres americanos e cubanos participaram de um encontro diplomático. Na manhã da sexta-feira 10, o governo dos Estados Unidos publicou em sua conta no Twitter uma foto do aperto de mão entre John Kerry, o secretário de Estado americano, e o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez. O fato de a imagem ter sido divulgada antes mesmo do aguardado aperto de mão entre Barack Obama e o presidente cubano Raúl Castro diz muito sobre a ansiedade dos dois países em demonstrar para o mundo que a reaproximação é para valer.

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APERTO DE MÃOS
Bruno Rodríguez, ministro de Cuba, e John Kerry, secretário
de Estado americano: cena inédita em 57 anos

Há uma firme disposição, de ambos os lados, em estreitar rapidamente os laços desfeitos em 1961. Para Obama, representa um gesto marcante de seu governo. Para Castro, é a oportunidade de abrir uma frente comercial. Desde o fim da União Soviética, a ilha sofre com o baixo crescimento econômico e a dependência do petróleo subsidiado da Venezuela. A Cúpula das Américas é o segundo passo para dar fim ao embargo econômico. O primeiro foi a retomada das conversas, iniciadas em dezembro passado após intermediação do Papa Francisco. “O gesto de Obama traz uma nova realidade para o continente”, diz Francisco Américo Cassano, professor de Relações Internacionais do Mackenzie. Para o Brasil, que ficou com a missão de intermediar as tensas conversas entre Venezuela e Estados Unidos, a Cúpula é também uma oportunidade. “O encontro entre Dilma e Obama pode significar uma agenda econômica comum que interessa muito ao Brasil”, afirma Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM.

Fotos: Pete Souza/Official White House;Ismael Francisco/Cubadebate/AP Photo