Em março se completaram 50 anos de Selma, a marcha de negros e brancos contra a discriminação racial que durou três semanas e foi liderada por Marthin Luther King a partir daquela cidade do sul dos Estados Unidos até a capital do Alabama. Muita coisa mudou na América desde aqueles tempos heróicos de Selma – mas nem tudo. Na semana passada um covarde assassinato motivado pelo preconceito voltou a chocar o país. No sábado 4 na cidade de North Charleston, na Carolina do Sul, Walter Lamer Scott, um negro de 50 anos, pai de quatro filhos, dirigia seu carro com a luz traseira queimada. Por causa disso, foi morto pelo policial branco Michael Thomas Slager, 33 anos. Como muitos outros crimes cometidos pelos homens da lei, era provável que este também ficasse impune caso não fosse registrado por uma câmera que mostra o policial disparando oito vezes contra as costas da vítima. Slager foi indiciado por assassinato na terça-feira 7 e pode pegar prisão perpétua ou pena de morte caso condenado. Após uma série de ocorrências semelhantes nos EUA nos últimos meses, que acabaram sem justiça, esse crime começa, enfim, a mudar as práticas da polícia americana em relação aos negros, pontuadas pela brutalidade e o racismo.

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O caso foi gravado por duas câmeras. A primeira, dentro da viatura, mostra o motorista, parado pelo policial, sair correndo a pé. Um pedestre filmou o restante. O assassino afirmou que disparou ao se sentir ameaçado após a vítima tentar roubar sua arma de eletrochoque. A cena, no entanto, mostra Scott fugindo na direção contrária à de Slager no momento em que o policial saca a arma e aperta o gatilho oito vezes, acertando cinco tiros. Depois, é possível vê-lo voltando, pegando um objeto e jogando-o ao lado do morto. Em entrevista, seu irmão disse pensar que Scott correu por temer ser preso devido à falta de pagamento da pensão dos filhos. “Você vai de uma parada no trânsito a alguém sendo morto, não faz sentido”, afirmou à revista “Time”, que estampou o caso na capa.

O episódio acontece após outros assassinatos de negros que mesmo com registro de câmeras de videos, não resultaram em punição aos assassinos. Foram os casos de Eric Garner, que morreu no ano passado ao ser enforcado por um policial, e o de Tamir Rice, um menino de 12 anos baleado por portar uma arma de brinquedo. Os trágicos acontecimentos já começam a alcançar efeitos práticos. A polícia de North Charleston prometeu que em breve 100% de seus homens levarão uma câmera presa à farda, e o presidente Barack Obama enviou um representante para tentar melhorar a relação dos municípios com as minorias. Mas, para garantir de fato um avanço, cada uma das 18 mil agências policiais precisarão mudar. “O preconceito está muito presente na sociedade americana, e isso atinge os policiais”, afirma José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM paulista.

Fotos: Stewart, Seay & Felton; Jim Watson; Charleston County Sheriff’s – AFP Photo