O pintor espanhol Páblo Picasso sempre foi considerado um dos maiores gênios da pintura – mas não para o publicitário, escritor e artista plástico Francesc Petit, um dos donos da agência DPZ. Em seu livro Quem inventou Picasso (Editora Arx, 207 páginas, R$ 29,90), ele desafia os fãs do artista malaguenho a repensar o mito construído em torno de sua figura. E, de quebra, ataca também a arte contemporânea, as bienais e a pintura abstrata. “A arte virou uma escada da sociedade em que os pintores precisam ser arroz-de-festa para vender seus quadros. Pablo Picasso foi o que melhor soube se autopromover, mas não era o mais talentoso do seu grupo”, diz Petit. Para reforçar sua argumentação, alinha pintores, desenhistas, dramaturgos e músicos catalães que conviveram com Picasso quando ele não tinha mais que 15 anos e morava em Barcelona. A verve crítica corre no sangue, também catalão, de Petit. Natural de Barcelona, ele mudou-se com a família para São Paulo em 1952, durante a ditadura franquista, um episódio que já diz bastante sobre sua formação.

No livro, o personagem principal também se chama Fransesc. Ele descreve para os amigos o ambiente cultural da Barcelona do final do século XIX e início do XX e mostra como Picasso tem seu destino artístico marcado pelos ensinamentos e pela convivência com os intelectuais que frequentavam o lendário Quatre Cats, bar boêmio e point da vanguarda local. Reproduzido no livro, o cardápio do local mostra uma ilustração do artista que mais tarde ficaria célebre com as telas Les demoiselles d`Avignon e Guernica – nada mais apropriado, já que a culinária catalã, cujas iguarias são descritas em receitas detalhadas, é um dos destaques de Quem ionventou Picasso.

Entre os fregueses do enfumaçado Quatre Cats estavam Ramón Casas (autor do retrato do jovem Picasso que estampa o livro), Miguel Utrillo, Pitxot e Santiago Rusiñol, nomes hoje relegados à absoluta obscuridade. Francesc e Jessus Masias, outro personagem do livro, concluem que quando Picasso se muda para Paris, em 1904, deixa para trás o artista catalão que era (ele nasceu em Málaga, mas foi jovem para Barcelona), para assumir uma postura de pintor internacional desvinculado da Catalunha. “Certamente Picasso foi o primeiro artista da História a descobrir a pintura globalizada”, diz o personagem Francesc. Ele conta essas histórias e empolga seus ouvintes, que incluem Masias e outras duas amigas, também artistas. O grupo parte numa viagem pelo sul da Espanha, visita esculturas e monumentos do século XIX e, em determinado momento, tem a idéia de criar um movimento que chamam justamente de “Quem inventou Picasso”.

O objetivo do movimento é promover o reconhecimento dos artistas catalães esquecidos por causa do conflito separatista entre a Catalunha e a Espanha e também pela omissão de autoridades e intelectuais – inclua-se aí o próprio Picasso. Francesc Petit, agora o autor e não o personagem, também não perdoa a arte que se faz no Brasil. Logo no início do livro qualifica as bienais de São Paulo como “um verdadeiro desastre” desde a morte de seu criador, Ciccillo Matarazzo, em 1962. “As bienais não têm mais nenhuma importância internacional”, diz Petit, que critica a “moda das instalações” e a arte abstrata. “Não é possível distinguir uma obra de um pintor da praça da República daquelas do pintor abstrato americano Mark Rothko, avaliadas em milhões de dólares”, diz ele. Apaixonado pela arte (e sobretudo pela Catalunha), ele quer que o seu livro funcione como porta-voz de um grande projeto: promover os pintores catalães: “Todos eles devem subir ao Museu D’Orsay. Devem ficar junto aos impressionistas franceses. Eles merecem um lugar lá.”