10/10/2007 - 10:00
Às vésperas de completar 62 anos de vida, o Fundo Monetário Internacional passa por uma crise sem precedentes. Num mundo em que os países emergentes nadam em dólares e estão perto de zerar suas dívidas externas, ninguém mais sabe direito qual é o papel do FMI. Caberá agora ao francês Dominique Strauss- Kahn, 58 anos, eleito para o cargo de diretor-geral, traçar um novo caminho para o organismo que já foi visto no Brasil como a representação do mal. Será um grande desafio. De um ano para cá, a carteira de empréstimos começou a minguar. Brasil e Argentina, juntos, quitaram US$ 25 bilhões em dívidas. Por outro lado, Strauss-Kahn sinaliza abrir a guarda para aquilo que pode ser a salvação do FMI. “Eu me definia como o candidato da reforma. Agora, sou o diretor da reforma”, disse ele ao assumir o cargo. “Precisamos reforçar o caráter de multilateralismo.” Foi uma mensagem clara à cobrança dos países emergentes, em especial o Brasil, que pedem mudanças na composição de quotas do Fundo e reduzir o déficit público para que o país adotasse o euro. A fala firme, aliada à habilidade diplomática, faz de Strauss- Kahn um dos políticos mais versáteis da Europa. No ano passado, ele chegou a disputar as prévias internas do Partido Socialista para concorrer ao governo francês. Perdeu para Ségolène Royal, mas ganhou o compromisso de virar primeiro-ministro ou ministro da Economia caso Ségolène vencesse. Não deu. O conservador Nicolas Sarkozy foi eleito. E aplicou a chamada ouverture, convidando socialistas para postos-chave dentro ou fora do governo. Indicou Strauss-Kahn, para surpresa tanto do Partido Socialista quanto do próprio FMI, e tratou de pedir votos pessoalmente aos outros países da União Européia. Mas não será o único dentro do FMI. “Ele tem idéias que podem dar uma direção mais efetiva e menos propositiva ao Fundo”, avalia Paulo Nogueira Batista Junior, representante do Brasil no FMI.
A questão mais pertinente hoje é a real utilidade do FMI. Após sucessivos erros de análise nas crises envolvendo os emergentes, o Fundo passou a ter seus ditames colocados em xeque pelos críticos. Há dois anos, com o pagamento antecipado das dívidas do Brasil e da Argentina, a instituição se viu em posição de apertar o próprio cinto de forma draconiana. Sem o dinheiro dos juros, o FMI viu sua receita despencar e quase fechou o ano contábil em déficit.
Foi essa situação que levou o board a investir em um nome que pudesse restaurar a imagem da instituição e, ao mesmo tempo, dar início a um processo de reformas internas. Rodrigo de Rato, o ex-diretor geral, conseguiu, em parte, conduzir a missão. No ano passado aprovou uma mudança nas cotas dos países emergentes, aumentando a participação da China, do México, da Coréia do Sul e da Turquia. Mas não concluiu o trabalho.
É essa corrente de pensamento que prega novas mudanças no foco de ação do Fundo. A onda positiva que contagiou a economia mundial mostrou que são justamente os países subdesenvolvidos – e não os emergentes – que merecem a atenção da comunidade financeira. “O FMI ajudou a Europa, os países ditos do Terceiro Mundo e até na transição da Rússia do socialismo para o capitalismo”, analisa o economista Barry Eichengreen, ex-consultor sênior do Fundo. “Chegou a hora de estender os braços aos países africanos, por exemplo.” Na época da crise que varreu o sistema financeiro mundial, entre 1997 e 1999, o Fundo era comandado por um outro francês, Michel Camdessus. Conservador até o limiar da palavra, Camdessus tentava calibrar seu temperamento agressivo com um charme peculiar. Após os 13 anos que comandou o Fundo, Camdessus conseguiu colocar em xeque a posição de guardião da estabilidade global do FMI. Dois diretores e sete anos depois, Strauss-Kahn assume com o compromisso de ajustar a rota. A saída, agora, é pela esquerda.