05/09/2001 - 10:00
O limite do cheque especial estourou e com ele a paciência do gerente para “segurar as pontas”. Sacar com o cartão de crédito nem pensar – não há crédito disponível. Nesse momento, a tentação que aparece nos classificados dos jornais parece irresistível. Os tijolinhos impressos trazem os títulos “empréstimo”, “dinheiro rápido” ou “crédito fácil”, não importa. E um autor sempre oculto, o agiota. Em geral, esses anúncios apresentam dois números de telefone, um fixo e outro celular. Nem adianta tentar o fixo: em geral ninguém atende ou uma gravação informa que o número não existe. Já o móvel atende rapidinho, justamente porque dificulta a ação policial. Ligando para um desses números, a voz responde do outro lado: “Alô, é o Douglas, pode falar…”. Feita a consulta, ele informa que não há problemas, em meia hora pode estar em casa, levando o dinheiro. Basta que lhe entregue a cópia dos documentos, comprovante de residência, assine um contrato e lhe deixe 12 cheques preenchidos e assinados com as prestações.
Malandragem – Tão antiga quanto o próprio dinheiro – em 1754, o papa Benedito XIV já condenava a prática em uma encíclica –, a agiotagem volta à baila de tempos em tempos. Como uma praga, cresce quando as condições lhe são favoráveis, como os juros altos e o desaquecimento econômico, acompanhado por desemprego crescente e lucros em baixa – um retrato da conjuntura atual.
A malandragem está por todo o País e movimenta, segundo estimativas extra-oficiais, mais de R$ 10 bilhões por ano, em empréstimos ilegais feitos sem contrato. Os juros cobrados batem todos os recordes, mesmo os dos bancos brasileiros, campeões mundiais (às vezes, vice) em matéria de juros altos.
Pode parecer que só uma grande dose de ingenuidade leva alguém a procurar um agiota, mas as histórias que correm por aí mostram que não é bem assim. Muitas vezes é a falta de alternativas que serve de combustível. É o caso de um professor universitário aposentado por uma das instituições de ensino mais prestigiadas do País, a Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. Com problemas em sua empresa de importação e exportação e com o crédito esgotado no banco, o professor, que prefere não ser identificado, tomou R$ 95 mil emprestados de um agiota. “A minha empresa já estava com dificuldades e a situação piorou quando o governo aumentou o imposto de importação do setor automobilístico de 20% para 70%”, diz ele. O empréstimo não pôde ser pago – e o professor perdeu a casa em que morava, dada como garantia para a liberação do dinheiro. Situação semelhante viveu a microempresária Soeli Brandão de Paula. Ela tomou R$ 20 mil emprestados e hoje, depois de perder a casa para o agiota, vive em um imóvel cedido por um amigo. “Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Entrei com uma ação e espero que a Justiça resolva o meu problema”, diz ela, que procurou a Associação Nacional de Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro (Andif) para tentar reaver o imóvel.
O governo federal também volta ao tema ocasionalmente. A última ofensiva ocorreu há três anos, quando foi criado até um disque-agiotagem. “No início de 1999, recebemos em poucas semanas mais de mil denúncias de todo o Brasil”, diz Rui Coutinho, ex-secretário de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça. Hoje executivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Coutinho conta que foram descobertas mais de 250 empresas atuando como agiotas. “É uma prática muito difícil de ser coibida, inclusive porque as vítimas costumam se esconder por medo. Agiota joga pesado e chega a ocorrer assassinato por causa de dívidas”, diz Coutinho.
Sem punição – Nessa ocasião, o Ministério da Justiça chegou a editar uma medida provisória, ampliando a punição aos agiotas e invertendo o chamado ônus da prova, ou seja, passando ao acusado por agiotagem a obrigação de provar que comprou determinado bem sem a contrapartida do empréstimo. Além disso, a comissão formada para estudar o caso –composta por representantes do Ministério da Justiça, da Receita Federal, do Banco Central e da Febraban, entre outros –chegou a negociar com a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) para tentar evitar os tais anúncios. A iniciativa foi inútil – e o “negócio” dos agiotas se mantém firme, cada vez mais ganancioso.
De acordo com uma sondagem feita pela Associação Nacional de Executivos de Finanças, Auditoria e Contabilidade (Anefac), os juros da agiotagem variavam de 14,5% a 35% ao mês, em maio, até 3.577% ao ano. O levantamento é feito com base em anúncios publicados em jornais de sete capitais do País. No sistema formal, depois da alta dos juros iniciada em março, a taxa média do cartão de crédito, uma das mais elevadas, foi a 10,55% ao mês e lá ficou. “Como os bancos dificultam o acesso ao crédito, muita gente acaba caindo nas mãos dos agiotas”, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac.
A gatunagem não tem limites. Em alguns casos, o custo do cadastro chega a R$ 80 e depois o empréstimo não é aprovado. Outro golpe frequente é o do dinheiro liberado pelo telefone. A pessoa liga e recebe a informação de que o empréstimo mínimo é alto, de R$ 20 mil, por exemplo, e que ela precisa depositar 10% para que o dinheiro seja liberado. O depósito é feito e o dinheiro simplesmente não sai.