10/10/2007 - 10:00
O representante comercial Rafael Anunnziato, 59 anos, a universitária Itaciara Monteiro, 22, a advogada Carmem Mendonça de Oliveira, 59, e a vendedora Lindalva Franco, 58, engrossam uma estatística que felizmente só cresce no mundo: a dos sobreviventes do câncer. Segundo o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, em todo o planeta mais de 22 milhões de pessoas venceram a doença. Elas foram ajudadas por métodos diagnósticos refinados e drogas modernas criadas nos últimos anos. A existência de tantos sobreviventes, porém, colocou para a medicina um novo desafio. Como cuidar dos ex-pacientes para que voltem à vida normal depois de anos de tratamento, quase sempre acompanhados de reviravoltas na rotina pessoal, social, familiar e profissional? Em busca das respostas, os especialistas já têm algumas certezas. A primeira é a de que, em boa parte dos casos, a doença deixa seqüelas físicas, que exigem uma readaptação às atividades diárias, e psicológicas, que muitas vezes inviabilizam o estabelecimento de relações saudáveis.
Essa constatação fez surgir nos EUA um movimento que já ganhou a adesão de centros renomados, como o MD&Anderson Cancer Research, no Texas, o Ucla Medical Center, em Los Angeles, e o Memorial Sloan-Kettering Center, de Nova York. O objetivo é tornar bem mais fácil a reintegração social e o retorno ao trabalho. Para isso, foram criados programas que garantem apoio psicológico, nutricional e até espiritual. Nos EUA, o tema vem ganhando tanto destaque que esteve na pauta do último congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, ocorrido em abril.
No Brasil as iniciativas ainda são tímidas. Poucos centros oferecem suporte a quem já venceu a doença. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) é um deles. O serviço fornece sessões de terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia. “Ajudamos os pacientes a voltar ao mercado de trabalho ou oferecemos outras possibilidades”, afirma a fisioterapeuta Rosana Lucena, chefe do Serviço de Integração Humana do instituto. Oficinas de pintura, bijuteria, informática e alfabetização têm dado a muitos ex-pacientes uma nova opção de vida. É o caso da vendedora Lindalva Franco, que superou um tumor de colo de útero e outro de mama. “Quando me recuperei, não consegui emprego. O apoio que recebi no Inca me reergueu. Encontrei no artesanato e na pintura uma nova chance”, diz ela, que vive com a venda dos trabalhos que produz.
Na avaliação da médica Sandra Serrano, responsável pelo Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, ajudar o paciente nessa etapa da vida faz toda a diferença. “Eles têm novas necessidades. A doença os faz repensar valores e escolhas”, diz. Essa reflexão permeou o retorno da advogada Carmem Mendonça, vítima de tumor de mama e de pulmão. Ela buscou forças no trabalho, mas também aderiu à terapia em grupo. “Isso me ajudou a dar um novo significado à vida,” conta.
Já a universitária Itaciara Monteiro, que aos nove anos deixou Manaus com a mãe para se tratar de uma leucemia em São Paulo, teve o suporte de uma instituição, a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale). “Foi com a ajuda das pessoas de lá que reestruturamos nossas vidas”, diz a jovem, que passou cinco anos em tratamento, período no qual teve a vida escolar e familiar virada de ponta-cabeça. Ela hoje trabalha na Abrale e estuda marketing. Para muitos, o ponto de partida para o recomeço é a força da família. Foi assim com o representante comercial Rafael Anunnziato, surpreendido duas vezes pela doença – uma vez pelo tumor no duodeno e outra, na próstata. “O amparo da minha família foi fundamental. A doença nos uniu ainda mais”, diz.