Enquanto os letreiros de abertura se sucedem, vêem-se uma foto polaróide apagar-se, o papel fotográfico retornar à câmera, uma bala voltar para a pistola, o sangue de um ferimento refluir. Tudo em reverso até o tiro inicial, a partir do qual a cronologia da história é restabelecida. Restabelecida em termos, pois o diretor inglês radicado nos Estados Unidos Christopher Nolan talvez tenha criado um novo jeito de escrever um enredo em flasback neste seu segundo trabalho, Amnésia (Memento, Estados Unidos, 2000), em cartaz nacional na sexta-feira 31. Para contar a saga de Leonard Shelby (Guy Pearce), um investigador de seguros que perdeu a memória desde que foi atacado por ocasião do estupro e morte da sua mulher, Nolan estruturou o filme de forma que cada cena se inicia com a última tomada da seguinte. Ou seja, assistimos à última cena, seguida da penúltima e assim por diante até o retorno à primeira. Para muitos, o resultado pode ser irritante e incompreensível, ainda mais porque o diretor usa o recurso do branco-e-preto em situações fora da sequência cronológica. É por meio delas que se fica sabendo que Shelby havia investigado um caso semelhante de amnésia e – surpresa – o considerou uma farsa, fato que a própria vida se encarregou de desmentir.

Nestas idas e vindas no tempo, o cineasta acabou fazendo um ótimo trabalho. Ao inverter o eixo lógico do enredo, ele estabeleceu como clímax o motivo do crime e não o crime em si. Shelby tornou-se incapaz de reter o que acontece à sua volta por mais de 15 minutos. A sua memória só sobrevive através de anotações, polaróides e tatuagens espalhadas pelo corpo, que dão pistas sobre seus atos. Em meio a esta piração, o elenco também dá seu show. Depois de trabalhar com desconhecidos na sua fita de estréia, Following (1998), Nolan reuniu atores-fetiche como Carrie-Anne Moss e Joe Pantoliano e os igualmente cultuados Stephen Tobolowsky e Harriet Sansom Harris. Para o próximo filme, Insomnia, já em fase de produção, ele vai contar com Al Pacino, Robin Williams e Hilary Swank nos papéis principais. Como o pedigree dos atores à disposição de um diretor é uma espécie de atestado do poder do mesmo, o espectador ainda vai ouvir falar muito de Christopher Nolan.