31/01/2001 - 10:00
Fotos: Reuters |
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“Fora ianques” e foto de Lenin foram ressuscitados na marcha contra a nova ordem |
Porto Alegre vem fazendo juz a seu nome nestes últimos dias. No auge do verão, termômetros marcando mais de 30 graus, a capital gaúcha nunca esteve tão quente e agitada. A cidade transformou-se no centro das atenções do mundo globalizado. Ao sediar o Fórum Social Mundial, o enclave petista teve seus cinco dias de fama como a capital internacional dos adversários da nova ordem mundial. Mesmo antes da quinta-feira 25, quando o fórum começou, já haviam desembarcado em Porto Alegre os primeiros integrantes de um batalhão de dez mil pessoas. Os governos estadual e municipal, ambos nas mãos do PT, organizaram uma operação de guerra para receber seus hóspedes, que ocuparam 90% dos hotéis da cidade.
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A fria suíça Davos, que abrigou, nos mesmos dias, o tradicional Fórum Econômico Mundial, parecia estar mais gélida. Vários dos conhecidos opositores do neoliberalismo trocaram os alpes pelo rio Guaíba. É o caso do bigodudo produtor de ovelhas e queijo roquefort José Bové, da Confederação dos Camponeses, que em 1999 destruiu uma loja do McDonalds em sua cidade no Sul da França. Em Porto Alegre, pela primeira vez os ativistas saíram da fase da simples crítica para a da apresentação de propostas. Não ficaram o tempo todo confinados nas salas do centro de eventos da PUC. Na quinta-feira, abertura do Fórum Social Mundial, punks chegaram a jogar ovos e tomates numa das lojas do McDonalds da cidade e bandeiras dos EUA foram queimadas. Mas não houve confronto. Enquanto a marcha contra o liberalismo tomava as ruas, a 300 quilômetros de Porto Alegre, na cidade de Não-Me-Toque, 1.300 integrantes do MST ocuparam a sede da multinacional Monsanto, a maior produtora de sementes transgênicas. As duas estrelas mundiais do movimento camponês, José Bové e João Pedro Stédile, chegaram ao local na sexta-feira 26.
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Lula, Benedita, em traje afro, e Olívio Dutra caminham com ativistas na estréia do fórum |
Em clima de festa e carnaval ideológico, a prefeitura chegou a separar um lote de dez mil camisinhas para os participantes do fórum, especialmente os cerca de dois mil jovens que acamparam no Parque Harmonia, juntamente com mais 500 índios de vários países. Os manifestantes ensaiaram o enredo “Um outro mundo é possível”. Os passistas deste desfile politizado, divididos em alas das mais variadas cores – desde integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, passando por ex-guerrilheiros da década de 60, anarquistas e até pacatos social-democratas –, entraram na avenida anunciando que o século XXI será dos rebeldes com causas e que a idéia do pensamento único já é passado.
Cantaram afinados o refrão “O mundo não é uma mercadoria”, inspirado no título do livro lançado por José Bové. Fortalecidos por saberem que Davos está na defensiva, os antineoliberais hasteavam bandeiras das mais diversas, mas estavam unidos em torno da convicção de que a economia e o mercado devem estar a serviço da justiça social. O debate entre Davos e Porto Alegre estava marcado para domingo, via satélite, ao vivo.
Uma das figuras que chamavam muita atenção era o mexicano Oscar Tinajero, 47 anos. Desde 1986 anda pelo mundo pregando a paz e a substituição do calendário gregoriano pelo que chama de calendário das 13 luas, baseado no ciclo da natureza.
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…mistura-se ao jogador Raí |
Mas nem tudo foi pacífico. O Fórum Social serviu de palco para discussões acaloradas entre o presidente FHC e o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra. FHC atacou o governo estadual por ter desembolsado R$ 930 milhões para bancar o encontro, que custou R$ 2 milhões.
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… e ao exótico pacifista mexicano Oscar Tinajero, que defende a substituição do calendário |
“Quem é que está pagando essa manifestação? Não é o banco do Estado? Isso é errado”, criticou. “O País espera a prestação de contas dos gastos com os festejos dos 500 anos, com a feira de Hannover, com a mudança do nome da Petrobras e a atual viagem presidencial”, devolveu Dutra.
“Davos é anti-porto alegre” | |
Foi o diretor-geral do jornal Le Monde Diplomatique, Bernard Cassen, que pensou na cidade de Porto Alegre para sediar o primeiro Fórum Social Mundial. Presidente da Ação pela Tributação das Transações Financeiras e Apoio aos Cidadãos, ONG que defende a cobrança de um imposto sobre a movimentação do capital especulativo, Cassen está entre as figuras mais badaladas do encontro. ISTOÉ – O que vai mudar depois do Fórum Social Mundial? ISTOÉ – Há um embate entre defensores e opositores do neoliberalismo? ISTOÉ – Por que o fórum neste momento? |
Enquanto isso… na “montanha mágica” |
A pequena e bela cidade de Davos, uma estação de esqui nos alpes suíços, é o cenário do magistral romance A montanha mágica, do alemão Thomas Mann (1875-1955), um sombrio painel do mal-estar cultural da civilização ocidental que precedeu os totalitarismos e a Segunda Guerra Mundial. Desde 1970, Davos vem também sediando o Fórum Econômico Mundial, que anualmente reúne chefes de Estado e de governo, líderes empresariais, políticos e acadêmicos. Até o ano passado, esse fórum era uma espécie de brain storming sobre as principais tendências da globalização. Mas depois das manifestações de dezembro de 1998 contra a cúpula da Organização Mundial do Comércio em Seattle, o Fórum de Davos passou a ser identificado por ONGs e organizações de esquerda como uma espécie de oráculo do neoliberalismo e da exclusão social. Como Hans Castorp, o principal personagem de A montanha mágica, que vai visitar um amigo tuberculoso no sanatório de Davos e também contrai a doença, o fórum está sendo contaminado pelo espírito das manifestações antiglobalização. Ao mesmo tempo que reforçaram o esquema de segurança, resolveram incluir na agenda temas como os efeitos sociais da globalização e políticas para reduzir a diferença entre ricos e pobres. Pela primeira vez, também foram convidadas ONGs como a Anistia Internacional, o Greenpeace e o Fórum Mundial para a Natureza. A nota dissonante ficou por conta de Tio Sam. Ao contrário do ano passado, quando Bill Clinton chegou a discursar, a administração George W. Bush não se dignou a enviar sequer um representante do primeiro escalão – reflexo, para muitos, dos conservadorismo do novo ocupante da Casa Branca. Ironicamente, um dos principais temas do fórum deste ano será justamente os efeitos da desaceleração da economia americana e suas repercussões. |