31/01/2001 - 10:00
A ousadia dos traficantes cariocas não pára no uso de granadas, no toque de recolher, em ações contra batalhões militares em busca de armas ou em fugas hollywoodianas, como a de José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, que usou um helicóptero para escapar do presídio da Ilha Grande. Os principais chefões da droga resolveram aproveitar-se da engenharia e também da topografia para favorecer o narcotráfico. Apesar de encarcerados no complexo de segurança máxima de Bangu, zona oeste do Rio, eles mandaram construir um túnel nas proximidades das quatro penitenciárias. A obra, que mereceu elogios de especialistas, tinha 86 metros de extensão e foi escavada a seis metros abaixo do solo. O túnel tinha ainda 1,60 m de altura, paredes revestidas de concreto, iluminação e sistema de circulação de ar, com espaço suficiente para a passagem de duas pessoas lado a lado. Ele foi descoberto na segunda-feira 22, por causa de uma denúncia anônima. A polícia suspeita que um engenheiro de Goiás tenha feito o projeto, com auxílio de um topógrafo.
O secretário estadual de Justiça, João Pinaud, confessou sua perplexidade ao ver a obra: “Não há dúvidas, é coisa de cinema.” Os tijolos e o concreto, segundo o secretário, foram construídos no próprio local da escavação, uma casa na favela do Boqueirão, próxima ao complexo penitenciário. A polícia já divulgou o retrato falado, mas ainda não descobriu quem contratava os operários. O financiador da fuga em massa seria o traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, o “Marcinho VP”, que é chefe do Complexo do Alemão e está preso em Bangu I junto com mais 47 cabeças do tráfico, entre eles Francisco Paulo Testa Monteiro, o “Tuchinha”, Marcus Vinícius da Silva, o “Lambari”, e Márcio Amaro de Oliveira, o “Marcinho VP” do Morro Dona Marta. Segundo Pinaud, o túnel destinava-se não só à fuga dos líderes do crime organizado, mas também à de 900 detentos das penitenciárias I e III. Os 200 primeiros seriam selecionados pelos chefes do tráfico.
O túnel comprova a vulnerabilidade da segurança pública fluminense, principalmente no que se refere aos presídios de segurança máxima. Detectores de metais não funcionam há três anos, seis câmeras de vídeo e um alarme estão quebrados. As portas de ferro são precárias, não há guardas suficientes para o policiamento e o Estado suspeita de falhas na construção. A Secretaria de Justiça decidiu intensificar a vigilância no interior da penitenciária, trocar com mais frequência as alas dos detentos e recolher aparelhos celulares. Quando a polícia chegou ao local da escavação, onde foi montada uma pequena fábrica de tijolos, apenas três operários estavam trabalhando. Um deles, Geraldo Lira, ao ser preso, disse que uma bomba era usada para a retirada de água do subsolo, destinada à produção do material de construção. “Eu preparava os blocos de cimento e outros serviços e ganhava R$ 100 por semana”, declarou o pedreiro. O túnel já estava a 50 metros do muro de Bangu III e até fevereiro – mês em que costuma haver evasão de presos em penitenciárias cariocas devido ao Carnaval – estaria em condições de ser usado para a fuga.